Maria Inês Lamy (EBP/AMP)
Freud nos alertou que os grupos tendem a seguir a lógica da Igreja e do Exército. Regidos pela subserviência ao líder carismático, um efeito hipnótico se instala, fazendo com que os indivíduos se percam na massa. Todos igualmente unidos pelo amor ao líder, alçado ao lugar do ideal.
Ao retomar as formulações freudianas[1], Lacan demonstra que, nos fenômenos de massa, a cola entre os diversos membros do grupo decorre da não extração do objeto. Este apresenta-se colado ao Ideal, provocando o efeito hipnótico. O grupo mostra-se coeso, mas, quando a harmonia imaginária sofre um abalo e, mais ainda, se o general perde a cabeça[2], reações violentas ameaçam emergir e o pânico e o caos podem-se instalar.
Talvez a permutação e outros dispositivos da Escola possam ser pensados segundo o tratamento que se dá ao objeto. Parece que, ao contrário do que acontece em outras instituições, a política institucional lacaniana é norteada pela separação. Diante da preocupação com possíveis efeitos imaginários de grupo, são inventados recursos para minimizá-los.
“Há sempre um certo vazio a preservar. É da saturação total que surge a perturbação em que se manifesta a angústia”[3]. Quando a ameaça se apresenta e o temor de que a falta falte se presentifica, não é incomum que se lance mão de uma das diversas reações que se encontram no caminho em direção à angústia: acting out, efusão, inibição, passagem ao ato, etc. Nas instituições observa-se o perigo de desentendimentos ou mesmo de rupturas.
Lacan, ao fundar a Escola, adotou algumas medidas que visam à separação. Antes de tudo, distinguiu hierarquia e gradus: as categorias de AME e AE não se confundem com os cargos de coordenação ou diretoria. E, ao inventar o trabalho em pequenos grupos (cartéis), elegeu a permutação como um de seus mecanismos. Interessante notar que o cartel, definido como o órgão de base da Escola, acaba nos ensinando não só a respeito da relação com o saber, mas sobretudo sobre a política da Escola – o desprendimento em relação às diversas atribuições e, também, o papel do limite temporal como corte.
É preciso que haja um vazio em torno do qual as diferentes responsabilidades, incumbências e funções possam circular.
Nessa perspectiva, a permutação revela-se uma característica fundamental dos cargos de coordenação ou diretoria. Um descolamento é marcado por princípio, desde o início. O limite temporal cumpre uma finalidade importante marcando a distância entre cada um e sua função. Além disso, é importante que haja revezamento para que a experiência de coordenação circule entre vários, e para que estilos diversos deixem sua marca. Ocupar um lugar de coordenação tem efeitos de formação, já que muito se aprende sobre o trabalho de Escola e mesmo sobre a própria posição analisante.
Após deixar uma função, volta-se para o fazer cotidiano da Escola e para o trabalho sob a coordenação de colegas. Diz Lacan: “O cargo de direção não constituirá uma chefia cujo serviço prestado seja capitalizado para o acesso a um grau superior, e ninguém terá como considerar-se rebaixado por retornar à categoria de um trabalho de base.”[4] E continua: “Isso não implica uma hierarquia de cima para baixo, mas uma organização circular, cujo funcionamento se firmará na experiência.”[5]
Ocupar posições de coordenação exige dedicação e envolvimento com o trabalho, sabendo-se, no entanto, que se perderá a função após algum tempo. Essa experiência acaba tocando na relação de cada um com a transitoriedade e com o semblante. Não à toa, Lacan intitulou o texto de fundação da École de la Cause Freudienne “D’Écolage”[6], reunindo, no neologismo/título, ‘descolar’, ‘decolar’ e ‘Escola’. Um trabalho de descolamento é exigido de quem ocupa funções na Escola, o que possibilita que ela decole e se estabeleça. Envolver-se sabendo que é por pouco tempo – essa é uma experiência importante.
Discorrendo sobre o passe, J.-A. Miller nos adverte que não se deve ficar “fascinado pelo furo”[7]. No caso do passe é preciso dar um passo além construindo um matema[8]. Já na permutação, um trabalho de luto se faz necessário. É preciso entrar em contato com a perda para que a substituição possa ocorrer, relançando o desejo e possibilitando o investimento no trabalho de Escola.
O tratamento do objeto mais uma vez mostra-se fundamental. “É do vazio que os centra… que esses objetos retiram a função de causa em que surgem para o desejo”[9].