
Henri Matisse. Forms. 1947.
Gustavo Menezes (EBP/AMP)
Mônica Hage (EBP/AMP)
É tempo de permutação! Este não é apenas um chamado às instâncias de nossa Escola, que mais um ano completam seus ciclos de trabalho, mas também um convite aos membros para se debruçarem sobre esse tema tão fundamental e central. Isso implica uma série de perspectivas: o lugar de cada membro na Escola, as instâncias, o conceito de analista, a transferência de trabalho, os cartéis, o gradus, o desejo de Escola.
No “Ato de fundação”[1], Lacan faz uma única alusão à permutação para se referir aos cartéis. Se a permutação é necessária para a estrutura da Escola, esta se opõe à fixidez dos lugares: o que muda são aqueles que os ocupam, como em um cartel, o que evita o efeito de cola. Mas é Jacques-Alain Miller quem adota e difunde a permutação como “lei da Escola”[2]. A permutação protege, em certa medida, a burocratização, ao mesmo tempo em que, segundo Miller, serve como uma doutrina institucional que possibilita multiplicar as primeiras vezes, multiplicar o Um e promover, a cada vez, cada um, seu próprio estilo.
Assim, várias questões se abrem: qual a articulação da permutação com o Um e o múltiplo na Escola? Com o laço? Como esta permitiria a reinvenção, a cada vez, do “parceiro-psicanálise”[3]? Ela possibilitaria certa fratura das identificações? A prática da permutação funcionaria como um antídoto contra a hierarquia tão combatida por Lacan? Como entendê-la desde a perspectiva dos gradus de AE e AME?
Lacan coloca no coração da Escola a pergunta “o que é um analista?”, sendo o passe o dispositivo por excelência para investigá-la. Contudo, essa pergunta está no horizonte de toda transmissão e ensino, convocando cada um a expor seu saber. Se, para Lacan, o ensino da psicanálise só se transmite via transferência de trabalho[4], como podemos articulá-lo ao conceito de Escola e à permutação?
Nesta edição, o leitor encontrará a contribuição de alguns colegas da EBP que prontamente aceitaram nosso convite para se debruçarem sobre o tema.
Luiz Felipe Monteiro, no texto “Iniciantes”, destaca o que para ele seria o “aspecto elegante da permutação como lei da Escola”: um mecanismo institucional lógico e preciso que aponta para o cerne do que está em jogo na formação do analista. Para alcançar o efeito de formação, é necessário que a permutação seja suscetível à interpretação e subjetivação pelos membros da Escola, uma vez que permutar, por si só, não garante a desidentificação ao lugar que se ocupa. Afinal, “somos apenas iniciantes na Escola”, e é no um a um que se sustenta o desejo.
Para compreender a noção de permutação para Lacan, é preciso levar em conta tanto o momento de fundação quanto de dissolução da EFP: é o que nos propõe Teresinha Meirelles no texto “A força vivificante da permutação”. Há uma lógica da permutação que se mantém ligada à ordem simbólica e que “comanda o movimento dos quatro discursos”, o que permite algo novo a partir das combinatórias possíveis. Além disso, ela destaca a importância dada por Miller à permutação, o que possibilitou um “respiro” às Escolas da AMP, garantindo tanto o funcionamento quanto o espaço para o inédito e a renovação.
O texto de Maria Inês Lamy, “Sobre a permutação”, aponta para dois aspectos interessantes envolvidos no processo de permutação. O primeiro refere-se à separação e ao tratamento que se dá ao objeto. A política institucional lacaniana, ao ser “norteada pela separação”, tentaria minimizar possíveis efeitos imaginários de grupo. O segundo faz destacar que a permutação contribui para reforçar a ideia de que, na Escola, não há hierarquia, mas uma organização circular no seu modo de funcionamento. É importante que distintos estilos possam deixar suas marcas no trabalho institucional.
Em “A permutação na Escola e o que não muda de lugar”, Cláudia Formiga retoma momentos chaves do ensino e do legado de Lacan sobre a formação do analista, como o da fundação da sua Escola, em 1964, ao apresentar o cartel e o passe como “formas revolucionárias” para se transmitir o que é próprio da experiência analítica, colocando em destaque a transferência de trabalho. Se o conceito de Escola é uma resposta “ao real em jogo na formação” e nos grupos analíticos, a permutação é fundamental para circular o saber, as responsabilidades e impedir a formação de castas e os exercícios de poder.
Após dois anos de trabalho, a permutação chega também para este Conselho Editorial. Agradecemos à Patrícia Badari e a toda a Diretoria da EBP, que nos confiou a função, ao Conselho Deliberativo da EBP, a Bruno Senna pelo design e editoração e a Pedro Mendonça pela revisão de textos. E agradecemos especialmente aos componentes da equipe da Correio Express (2023-2025): Cassandra Dias, Fátima Pinheiro, Gustavo Ramos, Jaqueline Coelho e ao colaborador Marcus André Vieira.
Desejamos uma boa leitura!