O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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“No início do ensino de Lacan, o que mais chamou atenção foi a ênfase posta na
fala e na estrutura de linguagem. Isso, é claro, causou debates. Foi nesse ponto
que Lacan apareceu como radical. Mas, de onde estamos, o que aparece é outra
coisa, a correlação estabelecida entre inconsciente e história, uma história que,
para falar com propriedade, seria o lugar da verdade.”
p. 174
“… Lacan deu-lhe toda uma fulgurância com a expressão
sujeito suposto saber
,
que se compreende por si mesma, razão pela qual fez grande sucesso. Com
sujeito suposto saber
ele designava uma suposição da experiência analítica, o
estado do saber já ali que seria adquirido pelo paciente. No fundo, por
sujeito
suposto saber
ele designava o que Freud chamara de
inconsciente.
”
p. 186
“Naquele que não mais chamamos de sujeito por querê-lo concernido de
maneira essencial pelo gozo, naquele que não mais chamamos de sujeito, mas
falasser, o próprio corpo, seu corpo, não antecede o significante, não é uma
realidade anterior ao significante. Aliás, é nisso que o falasser
não é seu corpo
.
Seu corpo, ele o tem. Ele o tem como se tem bem, uma propriedade, um objeto
que tratamos bem ou mal, desdenhamos, negligenciamos ou embonecamos. Os
cuidados que temos ou não com o corpo denotam o valor inconsciente que lhe
atribuímos.”
p. 208
Miller, J.-A. Conferência de Jacques –Alain Miller: 27 de abril de
2012 – Buenos Aires. Há desordem no real no século XXI
https:// ebpsp.wordpress.com/%E2%96%AAo-real-no-seculo-xxi%E2%96%AA/“(…) Houve um tempo que Lacan falava do inconsciente como um saber no
real, quando ele dizia que ele era estruturado como uma linguagem. Ele buscava,
então, as leis da fala, a partir da teoria do reconhecimento de Hegel: reconhecer
para ser reconhecido.
É por isso que o inconsciente tradicional – para nós, o inconsciente freudiano
– nos aparece como uma elucubração de saber sobre um real, uma elucubração
transferencial de saber, que acrescenta a esse real uma função de sujeito suposto
saber, pronta para se encarnar em outro ser vivo. O inconsciente, se ele pode
se ordenar enquanto discurso, só é extraído da experiência analítica, e a
elucubração transferencial visa dar sentido à libido, condição necessária para que
o inconsciente seja interpretável. Isso supõe uma interpretação prévia, quer dizer,
que o inconsciente interprete.
Numa análise, o inconsciente transferencial é uma defesa contra o real, que
conserva uma intenção, um querer dizer, enquanto o inconsciente real não tem
intencionalidade, mas se exprime por um: «É assim.», é nosso «Amém»
O que o inconsciente vai interpretar? Para responder a esta pergunta, é preciso
introduzir a palavra: «real». Na transferência, é o sujeito suposto saber que
interpreta o real. O que se elabora é um saber não no real, mas sobre o real.”
III /b.2 Outros textos
Miller, J.-A. Sintoma e fantasma. Clinica Lacaniana, vol. I.
UNICOPI, São Paulo, 1985
“(…) Isto pode ser uma definição: o fantasma é o que permite ao sujeito, na
presença da falta do Outro, uma produção de prazer. Permite que em lugar da
angústia produzida pela falta do Outro haja produção de prazer. ”
p. 25
“O fantasma no seu sentido amplo é distinto do sintoma porque o sintoma, para
o sujeito, é o que não está dando certo em sua vida, enquanto que o fantasma
para ele é, ao contrário, sua própria vida.”
p. 36
Miller, J.-A. Sobre o sujeito Suposto saber e o objeto a. In: Correio
Nº59. Escola Brasileira de Psicanálise, São Paulo, 2007
“(…) A própria definição de ser analisado é identificar-se com o sintoma. Isso
não quer dizer não ter mais sintomas, mas sim ser capaz de se representar como
sujeito da manifestação sintomática do inconsciente, e saber também o que diz
o inconsciente, do qual se é sujeito, ou seja, possuir algo do inconsciente saber.”
p. 24
“O que há de real no inconsciente? Pode-se dizer, seguindo Lacan, que isso se
desloca em direção à língua, que é na língua e não na linguagem que está o
núcleo traumático, nos erros das palavras e em sua relação de defasagem com a
escritura. Também procuramos no corpo o que há de Real.”
p. 25
Miller, J.-A. “Falar com seu corpo” in: Opção lacaniana Nº66.
Edições Eolia, São Paulo, 2013
“(…) Constamos que esse encontro marca o corpo com um vestígio
inesquecível. É o que chamamos de acontecimento de corpo. Este
acontecimento é um advento de gozo que não volta jamais ao zero. Para saber
sobre esse gozo é preciso tempo na análise. É preciso tempo sobre tudo para
saber fazer com esse gozo sem a muleta, a tela, os artifícios do inconsciente
simbólico e suas interpretações. Aqui dizemos que se trata do inconsciente real,
aquele que não se decifra, mas, pelo contrário, motiva o ciframento simbólico
do inconsciente. O corpo não fala, ele goza em silêncio, nesse silêncio que Freud
atribuía às pulsões. Mas é com esse corpo que falamos, a partir desse gozo fixado
Jacques-Alain Miller




