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Experiência

de saber e

testemunho

íntimo na

leitura dos

escritos de

jacques

lacan

por Antônio Teixeira

[AMP/ EBP-MG]

1

Foi por volta, eu creio, do mês de junho desse

ano que nosso colega Gilson Iannini nos interpelou

com a ideia, que neste colóquio se concretiza, de

se organizar as efemérides do cinquentenário dos

Escritos

de Jacques Lacan. Lembro-me de, naquela

ocasião, ter abraçado a proposta com entusiasmo

incontido; assim que li seu

e-mail

, precipitei-me a

organizar o esboço desse encontro, onde acreditava

poder enunciar os resultados de uma pesquisa que

venho realizando sobre o significado desse gesto,

1 Esse texto é a transcrição de uma conferência apresentada em 2 de

dezembro de 2016, por ocasião do Colóquio “50 anos dos

Escritos

de J. Lacan”. Essa conferência, por sua vez, é a versão modificada e

complementada de uma intervenção realizada quatro semanas antes

- a convite de Márcia Rosa Luchina, coordenadora, na ocasião, das

atividades da Biblioteca da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Minas

-, em evento intitulado “Os livros que lemos escondidos”.

assumido tardiamente por Lacan, de colocar-se em

obra com a publicação dos

Escritos

. Mas houve de

saída um desconforto: não havia consenso quanto

à proposta de que alguém viesse teorizar sobre esse

acontecimento. Para alguns, a ideia era que cada

participante viesse não teorizar, mas testemunhar

sobre seu encontro singular com os

Escritos

de J.

Lacan, abrindo assim espaço para uma conversação

acerca das incidências subjetivas dessa experiência.

Essa discordância inicial parecia inserir uma

separação de propósito que nos dividia naquele

período. Havia, por um lado, os que visavam

ao projeto de uma transmissão testemunhal da

experiência íntima de cada um, por oposição aos

que optavam por uma visada mais epistêmica, mais

orientada pela experiência universal de saber aberta

com a leitura dessa publicação. Foi, aliás, a partir

de tal divisão por assim dizer, entre testemunhistas

e epistemistas, que tentamos realizar a distribuição

dos nomes entre as mesas, como se fosse possível

opor leitura epistêmica e apropriação testemunhal

dos

Escritos

. Se me interessa particularmente evocar

isso aqui, é porque só tardiamente fui perceber o

engano dessa divisão. Dei-me conta, já na véspera

desse colóquio, de que essa divisão era ilusória, era

um erro de perspectiva, uma separação que não

existia. A ideia que eu gostaria de discutir é a de

que não haveria, propriamente falando, uma divisão

entre apropriação testemunhal dos

Escritos

e sua

leitura epistêmica em razão do fato, que tentarei

explicitar, de que não há apropriação teórica desse

estranho livro que possa ser dissociada do significado

testemunhal de sua aquisição.

Para esclarecer o que estou tentando dizer,

gostaria de partir de um dado testemunhal que

evoquei há algumas semanas no seminário da

Biblioteca coordenado por minha amiga Márcia

Rosa Luchina. Convidado a vir testemunhar,

naquela ocasião, sobre a experiência de leitura de um

livro que teria lido escondido, pensei, inicialmente,

em declinar do convite, por lembrar que jamais

precisei de ler um livro nessas circunstâncias. Diante

da impossibilidade de falar de um livro que li

escondido, ocorreu-me falar de minha experiência

não exatamente de leitura, mas de arrebatamento por

um objeto-livro, não de um livro que li escondido,

mas de um livro que levei escondido há 30 anos, em

1986, o admirável objeto-livro que sempre foi para

mim a versão original dos

Escritos

de Jacques Lacan.

Estudante sextanista de Medicina, sem recursos na

grave crise dos anos 80, sentia-me irresistivelmente

atraído por aquele estranho livro de que tanto