Table of Contents Table of Contents
Previous Page  137 / 155 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 137 / 155 Next Page
Page Background

13

seus pastiches, a psicanálise já havia modificado

a estrutura do íntimo, desfazendo sua indexação

pronominal na primeira pessoa do singular. O

Inconsciente freudiano se encontra precisamente

referido ao íntimo que desconhece a repartição

pronominal entre o

Ich

, o

Du

e o

Er

, permanecendo

indeterminado no pronome neutro como

Das Es

.

Ciente dessa indeterminação pronominal do

íntimo, a questão do estilo que interessa a Lacan

não se coloca como marca inconfundível do íntimo

do autor na primeira pessoa, conforme pretendia

a tradição da crítica literária antes de Proust, mas

como objeto indeterminado que afeta o leitor,

transformando-o em sua intimidade (IANNINI,

2012, p. 306). Tal indeterminação, aliás, vem a ser

o que confere a eficácia do objeto carta no conto

“A carta roubada”, de Edgar Alan Poe: a carta

endereçada à rainha, cujo conteúdo íntimo não é

jamais explicitado pelo discurso que a cerca, afeta

intimamente a todos que delas se apoderam. É

em relação a esse ponto que cheguei à conclusão,

anunciada no início de minha intervenção, de que

a apropriação epistêmica da obra de Lacan não

pode ser separada do testemunho de seu efeito sobre

mim, como leitor. A experiência mostrou-me ser

impossível ler diletantemente os

Escritos

; os

Escritos

não se dão a ler como objeto de curiosidade neutra

de alguém que quer simplesmente aumentar o seu

cabedal de cultura. Para acessá-los, foi-me necessário

conservar na estante o objeto-livro inacessível,

fascinante e estranho, até que suas páginas se

abrissem vagarosamente a mim, no ritmo de minha

própria transformação.

Rev.: Luiz Gonzaga Morando Queiroz

__________

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAÑOS ORELLANA, J.

El escritorio de Lacan.

Buenos Aires: Oficio

Analítico, 1999. Disponível em:

< https://psiligapsicanalise.files

.

wordpress.com/2014/09/jorge-b-orellana-el-escritorio-de-lacan.pdf >

.

BARTHES, R. 6. In: ___.

Le bruissement de la langue

. Paris : Seuil,

1993. pp. 61-75

DERRIDA, J. Pour l’amour de Lacan. In :

Lacan avec les philosophes

.

Paris : Albin Michel, 1991. pp. 397-420.

FOUCAULT, M. Qu’est-ce qu’un auteur ? In :

Bulletin de la Sociéte

française de philosophie, LXIV.

Paris : Vrin, 1969, pp. 73-95.

IANNINI, G.

Estilo e verdade em J. Lacan

. Belo Horizonte: Autêntica,

2012.

LACAN, J. Écrits. Paris : Seuil, 1966.

MILNER,J.-C.L’écrivainsanséglise.Artigodisponívelem:

< http://www. academia.edu/18563827/L%C3%A9crivain_sans_%C3%A9glise >

.

MILNER, J.-C.

L’Œuvre Claire

. Paris : Seuil, 1995.

PROUST, M.

Pastiches et mélanges.

Paris : Gallimard, 1992.