Territórios Lacanianos #012

Coordenação: Glória Maron e Andrea Reis

 

Editorial

 

CLIN-a, um dos territórios lacanianosCLIN-a, um dos territórios lacanianos

 

O CLIN-a, Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade, é um dos Institutos do Campo Freudiano em São Paulo, e apresenta-se neste Boletim como um dos "Territórios Lacanianos". O texto de apresentação e vídeo sobre as atividades do CLIN-a demonstram a extensão e alargamento das fronteiras desse território. No texto assinado por Patrícia Badari, Alessandra Sartorello Pecego e Maria de Lourdes Mattos, verifica-se que esse "Território", além de abranger diferentes localidades através de seu Curso de Psicanálise, se faz presente na cidade pelo exercício da clínica designada como "clínica sob várias mãos", e na apresentação de pacientes que acontece através da parceria estabelecida entre o CLIN-a e o Hospital Vera Cruz.


As atividades dão testemunho dos efeitos de transmissão da psicanálise nas situações em que a variedade da prática tem como bússola, a orientação lacaniana. Essa orientação se faz presente nas questões que são extraídas a partir das duas diferentes experiências - nas perguntas apresentadas pelas autoras - e nas articulações entre teoria e prática que permitem respondê-las através do ensino de Lacan. Convidamos o leitor a acompanhar, na apresentação que as colegas nos trazem, os efeitos das atividades do CLIN-a em diferentes superfícies de seu território, e que são recolhidos e elaborados em espaços como reuniões, supervisão e seminários. Do mesmo modo, também é importante verificar como os analistas envolvidos nessas atividades, são fisgados pelas discussões extraterritoriais ao Instituto. E finalmente, localizar na variedade de experiências que o CLIN-a nos apresenta, a marca da orientação lacaniana.


Boa leitura!

 

 

CLIN-a, um dos territórios lacanianos

 

Territórios lacanianos. Territórios da orientação lacaniana. Territórios de um dos Institutos do Campo Freudiano em São Paulo: CLIN-a.


Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade, uma OSCIP que tem como espaço-sede na “superfície terrestre”, a cidade de São Paulo. Mas sua área se estende com atividades em Campinas, Ribeirão Preto e São José dos Campos, através do Curso de Psicanálise, "Fundamentos em Freud e Lacan", seus Núcleos de Pesquisa, Ateliês de Leitura, Cursos Suplementares e Cursos Avançados.


E, além das atividades citadas anteriormente, colocamos em destaque dois territórios onde o CLIN-a alarga suas fronteiras: sua clínica e a prática da apresentação de pacientes.


A clínica localiza-se no espaço geográfico de sua sede em São Paulo. Mas como veremos com a apresentação de uma de suas coordenadoras, esta clínica, embora funcione intra-muros, tem sua abrangência espalhada na cidade, nos diversos serviços de saúde, nos consultórios dos colegas, universidades...


A apresentação de pacientes se dá na parceria do CLIN-a com o Hospital Vera Cruz, e tem como localização geográfica a sede do Hospital, uma sede colonial no bairro do Jaçanã. Um território lacaniano, podemos dizer, cujo coordenador Rubens Berlitz e praticantes pautam-se pela orientação lacaniana. Um território que se alastra dentro e fora de nosso espaço CLIN-a e, inclusive, do espaço Vera Cruz. É o que verificamos, por exemplo, ao acompanharmos um praticante da instituição, após a apresentação de pacientes, acolher em seu consultório uma demanda de tratamento de um paciente.


Eis alguns territórios lacanianos que nos fazem perguntar como um analista e uma prática, pagam com sua pessoa ou sua presença em cada caso, em cada cidade, em cada debate da atualidade, em cada parceria com instituições, em cada apresentação de pacientes, em cada construção do caso clínico, em cada supervisão?
Isolando um modo de gozar singular? Elevando o real que surge no caso a caso à dignidade de um sintoma? Sustentando-se no furo produzido pela impossibilidade de resposta, pela impossibilidade de restituição da ordem e do ideal?


Um "bocadinho mais" destes territórios: a clínica do CLIN-a e sua prática, apresentada por Alessandra Sartorello Pecego (uma das coordenadoras) e algumas interrogações sobre a prática da apresentação de pacientes, trazidas por Maria de Lourdes Mattos (uma das coordenadoras). E mais detalhes destes dois territórios apresentados, e indagações, podem ser lidos em nossa Revista “Entrevários”.

 

A clínica do CLIN-a

 

"Territórios Lacanianos" nos convida para uma conversa e pensamos na interface da clínica do CLIN-a, e sua inserção na cidade de São Paulo.


Temos atendimento à população que, em sua grande maioria, não passou por uma experiência com a palavra, não fizeram análise e têm as mais particulares demandas. O atendimento é gratuito e marcado por tempo determinado, em média 6 meses. A divulgação se passa via site da instituição, através das instituições universitárias de ensino, órgãos públicos de saúde mental, formando uma rede extensa. Isso se sustenta pela transferência que participantes da clínica, associados, alunos e frequentadores do CLIN-a estabeleceram com a instituição e indicam a proposta clínica, ao divulgaremextra muro. Podemos dizer que a demanda para atendimento tem se mantido viva.


A proposta da clínica, desde seus primórdios, é de que fosse uma construção "Entrevários". Foi marcada por atendimentos em grupo, via oficinas, logo em seu início e reformulada após supervisões e discussões. Hoje mantemos a construção sob várias mãos. O paciente é recebido em acolhimento, encaminhado a um praticante que o atenderá por 6 meses. Temos a garantia de supervisões mensais dos casos e a construção clínica elaborada em nosso seminário clínico. Portanto, contamos com o tripé suposto numa formação: a análise pessoal do praticante (sendo considerada no pedido para ser praticante no CLIN-a), a supervisão e a formação teórica nos textos e discussões em nossos seminários.

 

Pontos candentes que nos fazem avançar, que marcam nossas reuniões em seminários, são temas que nos fazem revisitar Freud e nos arvorar a pensar como tocam o último ensino de Lacan. Estamos às voltas com a questão da transferência negativa, suas implicações e como operar com ela numa análise. Pensamos na questão da supervisão onde a intersecção analisando analista, entre sujeito e objeto se coloca e sua diferença em relação à construção do caso clínico, onde o caso é tido como sujeito. Dessa forma, somos fisgados pelas discussões extraterritoriais ao Instituto e que marcam a orientação lacaniana.

 

Apresentação de pacientes

 

Mais um dos nossos territórios, a apresentação de pacientes em parceria com a clínica Vera Cruz, nos coloca questões da contemporaneidade. Esse dispositivo, além - muros do consultório, nos permite o diálogo com outros ramos do saber e a possibilidade de oferecer outras alternativas para lidar com o sofrimento, distintas do isolamento, do uso de drogas, da ruptura do laço social, do suicídio.

 

Lacan subverteu essa prática, originária da medicina, e propôs uma estrutura singular, não sem consequências para os envolvidos. O entrevistador, na posição de analista; o entrevistado como detentor do saber clínico e o público, como ouvinte e voyer, assemelha-se ao coro antigo, expressando a opinião pública. Com o uso da palavra procura-se escutar e compreender o entrevistado, não apresentá-lo, mas restituir-lhe o status de sujeito. 1


Os envolvidos no dispositivo nunca saem os mesmos após uma apresentação. O efeito surpresa, relacionado com "o real da clínica como impossível de suportar" faz com que cada participante entre em contato com o dito de Lacan de que "não há lugar para se ter esperança". Ao público silencioso, mesmo com o esclarecimento de sua expectativa do diagnóstico, resta algo da ordem do sentido em suspenso, um enigma! O efeito sujeito, nem sempre possível, faz parte desse impossível do real. 2
Mas, não há como negar os efeitos dessa prática em termos de formação do psicanalista e, muitas vezes, os benefícios para o entrevistado, advindos de uma mudança de orientação no tratamento a partir de uma entrevista.


À diferença da abordagem ética da psicanálise, que considera o corpo libidinal e, política, ao fazer existir o inconsciente; a ciência, ao tratar o real, procura disciplinar os modos de gozo da contemporaneidade. Expressão dessa abordagem, dentro das instituições de saúde mental está no diagnóstico de "transtorno de personalidade" em casos de psicose, e o consequente fechamento das portas do serviço, justificado pelo argumento de que o sujeito está fazendo "mau uso do serviço". A intervenção do psicanalista entrevistador pode contribuir para uma mudança de orientação no tratamento desses sujeitos, evitando, por exemplo, possíveis passagens ao ato.

 

Eis uma pequena apresentação deste território lacaniano: CLIN-a.

 

Patricia Badari, Alessandra Sartorello Pecego e Maria de Lourdes Mattos

 

1 MILLER, J-A. "Lições sobre apresentação de doentes". In: Matemas I, RJ, Zahar, 1996.

2 Idem, ibidem.