Editorial #09

 

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Dezenove anos depois daquele trinta de abril de 1995 no então antológico Hotel Glória no Rio de janeiro em que vimos e participamos da fundação da Escola Brasileira de Psicanálise, podemos dizer, hoje, que aprendemos a construir e a dar consequências ao que aquele desejo coletivizado nos outorgava. A assembleia ordinária da EBP que ocorreu em São Paulo no último 22 de março pode dar provas dessa maturidade. Em sua última ação como Presidente da Escola, Rômulo F. Silva conduziu seu trabalho de maneira suave e não menos séria. Vimos o Diretor, Marcelo Veras, com seu incansável e peculiar entusiasmo, conduzir a Escola com um toque de irreverência e com muita firmeza nos seus propósitos. Dentre os temas ali tratados, damos destaque a algumas pequenas mas importantes modificações no estatuto da EBP cuja finalidade visa a um trabalho mais fluido e com mais aproximação do profissionalismo; o apoio foi unânime entre os mais de 140 membros que compareceram à assembleia. Como Presidente empossado, só posso deixar aqui minha admiração e meu agradecimento aos colegas que, juntos, estabeleceram o caminho que trilhamos na Escola. Vocês poderão ler aqui e em outras publicações da Escola, as repercussões e os detalhes do que foi abordado e aprovado na assembleia.


Trabalharemos em novembro deste ano em torno ao tema "Trauma nos corpos, violência nas cidades" em nosso XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, em Belo Horizonte. Nossa vida cotidiana hoje,  traz em seu seio, além de outras modalidades sintomáticas, o crescimento da violência urbana em escala mundial trazendo à luz um debate quanto ao que nos espera num futuro próximo, sobretudo no que diz respeito à cidadania. É certo que a violência está presente em todas as modalidades da existência do homem dando o matiz do mal estar contemporâneo e, com isso, a subjetividade está também colocada em questão. Teremos a oportunidade de explorar o tema nos perguntando sobre os modos de resposta tanto coletivos, quanto singulares a esses fenômenos.


Incluo nesse editorial, à guisa de memória, que o mes de abril de 2014 marca os 50 anos da instalação do regime militar no Brasil que foi de 1964 a 1985. O golpe militar foi um dos maiores ultrajes na política e na cultura jamais vistos em nosso país. O uso da violência em nome de uma suposta "ordem" afetou o povo brasileiro em proporções que talvez ainda não conseguimos atingir toda a sua extensão. Ainda nos são reveladas atrocidades e artimanhas que não deixam de nos surpreender, ainda que saibamos, pela história, do princípio gerador e que manteve o golpe por trinta anos. Ainda criança, via os muros pichados em minha cidade natal –"Abaixo a ditadura" e minhas primeiras indagações sobre política foram avalizados por essas palavras de ordem. A juventude fora marcada pelo ideal de democracia a que só tínhamos acesso pela história.

 

Em 1985, já adulto, testemunhei sua volta – tímida e ainda ameaçada, mas era um retorno. Aqueles que "militaram" na clandestinidade e que sobreviveram aos "anos de chumbo", se tornaram uma espécie de heróis em potencial. Hoje, sem dúvida, cinquenta anos depois, temos muito a dizer de como cada um de nós vive as consequências desse marco histórico. Mais do que documentar os fatos e fazer advir a verdade – e é claro que isso tem um papel fundamental -  temos que "ler" o que recolhemos como sintoma que perdura no tempo.

 

Luiz Fernando C Cunha