EBP Debates #009

 

Editorial

Paula Borsoi & Frederico Feu

 

 

Retomamos, neste número de EBP-Debates, a problemática do autismo, desta vez estimulados por uma matéria do dia 01 de março de 2014 publicada na revista The Economist, intitulada "Why it's not "Rain Woman", acerca da prevalência muito maior de casos de autismo em meninos do que em meninas. Essa matéria comenta, por sua vez, artigo científico do "The American Journal of Human Genetics", de autoria de Sebastien Jacquemont e colaboradores do Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça. Para explicar a prevalência de quatro para um de casos de autismo em homens e de sete para um, quando se considera apenas os casos de autismo de alto rendimento (Síndrome de Asperger), os autores propõem, entre outras hipóteses, que as mulheres têm menos distúrbios cognitivos do que os homens porque seus corpos são mais aptos para ignorar as mutações que causam esses distúrbios. Diante disso, propusemos a Patrícia Veras, pesquisadora do Departamento de Biologia Celular da Fiocruz (BA), e aos colegas psicanalistas Eliane Baptista, Gresiela Nunes da Rosa, Heloísa Telles, Paula Pimenta, Rachel Amin e Vicente Machado a seguinte questão: "Que hipóteses a psicanálise de orientação lacaniana poderia construir para dar conta de prevalência muito menor de casos de autismo em meninas do que em meninos?".

 

Frederico Feu e Paula Borsói

 

 

Comentários:

 

Maria Eliane Neves Baptista (PE)

Éric Laurent, em seu livro El sentimiento delirante de la vida, faz um comentário a respeito da predominância do autismo em meninos (Buenos Aires: Colección Diva, 2011, p. 238-239). Nessa obra, Laurent cita Jacques-Alain Miller que se referiu à reação do menino lobo, no caso clínico de Rosine Lefort, como "a entrada em função desse menos que tenta se inscrever no real", quando o menino descobre a bacia sanitária e tenta cortar o pênis para jogá-lo ali. Assim, conclui Laurent que é possível pensar que "as crianças saturadas de pênis têm uma sensibilidade maior à forclusão da falta".

 

No entanto, a despeito desse entendimento, penso que, na psicanálise de orientação lacaniana, é difícil justificar a prevalência do autismo em meninos uma vez que o sexo biológico não é determinante na experiência analítica. O que é determinante para a psicanálise é a singularidade do sujeito, sua invenção.

 

Gresiela Nunes da Rosa (SC)

A partir da ideia de que o que se passa no autismo é a ausência da falta, a ausência do "não há", uma questão, como disse Laurent, de trauma do buraco, isto é, a sua inexistência, podemos tentar explorar, justamente com essa ideia, as razões pelas quais haveria menos casos de meninas autistas do que de meninos. O que há nas meninas que as "protege" do autismo? Que diferenças podemos encontrar nos diferentes sexos que possibilitam que um seja mais exposto ao autismo do que o outro? Mais importante do que diferenciar homem e mulher, em psicanálise, trata-se de pensar em feminino e masculino, que dizem menos respeito às questões biológicas do que da posição em que cada ser falante se encontra. A questão do autismo talvez levante para os psicanalistas uma outra questão importante, que é a de pensar se as mulheres estão mais próximas do feminino. Parece que sim.

 
Com Freud, podemos partir da diferença imaginária entre os sexos na sua vertente genital. O que aparece no campo da imagem é que no menino há e na menina não há. Ainda que a diferença sexual possa não estar exatamente localizada aí, isso passa longe de ser irrelevante. A genitália feminina pode ser uma imagem do que não há, uma imagem da falta. Essa imagem poderia inscrever o feminino no corpo da mulher? Ou será que algo da identificação feminina da mãe com a menina que surge tende a localizar na filha esta falta? Ao contrário de procurar um defeito no masculino, como propõe algumas vertentes investigativas, trata-se, ao contrário, de poder localizar mais facilmente a falha, buraco, abertura, nas meninas. E isso, afinal, pode ser o que lhes protege do autismo.

 

Heloísa Telles (SP)

Há uma referência a esta questão na conferência de Éric Laurent, "O que nos ensinam os autistas", publicada no livro Autismo(s) e atualidade: uma leitura lacaniana (p. 32). Retomando o caso Robert, de Rosine Lefort, a passagem em que o menino tenta cortar seu pênis após ser invadido por uma extrema angústia, em uma tentativa de extrair algo do corpo, operando uma castração no real, Laurent nos faz ver que no autismo há um acesso terrível à dimensão do real, onde não falta nada - há uma foraclusão do buraco e, por consequência,  inexiste a possibilidade de extração de algo, de qualquer coisa. Laurent sublinha a importância de, depois das indicações de Miller acerca do Um de gozo no ensino de Lacan, considerarmos que no autismo não há apagamento da marca do Um de gozo, "não há apagamento dessa marca de acontecimento de corpo" (p. 28), ficando o corpo marcado como um "corpo que goza de si mesmo". A consequência disto é o insuportável da invasão do gozo no corpo, o que pode levar a uma tentativa de extrair algo do corpo. Após desenvolver estas questões a propósito da iteração do Um de gozo, Laurent traz algo bastante instigante, ao final da sua conferência, ao dizer: "Creio que, com isso, podemos dar conta do motivo de existir mais homens do que mulheres autistas: há mais homens que mulheres porque, precisamente, os homens não podem cortar seu pênis" (p. 32). É uma indicação, para pensarmos uma possível diferença entre os sexos a propósito do gozo intrusivo no corpo ou um gozo hetero, tal como Lacan indica o que se passa com Hans, na "Conferência de Genebra".

 

Patrícia Veras (BA)

Com o título 'Why it's not "Rain Woman"'(1) a revista The Economist publicou uma matéria sobre uma recente artigo intitulado "A Higher Mutational Burden in Females Supports a 'Female Protective Model' in Neurodevelopmental Disorders"(2) . O artigo foi publicado no The American Journal of Human Genetics.
Sabe-se que mulheres tem de 3 a 7 vezes menor probabilidade de serem diagnosticadas como portadoras de doenças do desenvolvimento neurológico (NDs)(3) ,incluindo autismo, síndrome de Asperger e transtornos de déficit de atenção e hiperatividade. Existem evidencias que suportam a noção de que esse achado tem base genética. Por outro lado, cogita-se que o fato das mulheres serem menos frequentemente diagnosticadas como portadoras de NDs pode ser explicado pelo Modelo protetor para mulheres(4) , que sugere duas alternativas: falhas no diagnóstico ou forma como as mulheres lidam com a doença que, distinta da dos homens, as levaria a "esconder" os sintomas.


Dr. Jacquemont e equipe estabeleceram como hipótese que há uma base genética para explicar essas diferenças entre homens e mulheres.  Para testar essa hipótese, eles utilizaram ferramentas genéticas de análise em larga escala, que permitiram averiguar a presença de mutações no genoma(5) de milhares de indivíduos diagnosticados como portadores de NDs, em estudos epidemiológicos de coorte(6), conduzidos anteriormente em centros neuropsiquiátricos de diferentes países da Europa. Nesses estudos, os milhares de indivíduos avaliados foram diagnosticados como portadores de NDs com base em parâmetros utilizados em classificações internacionais sobre doenças mentais. Vale ressaltar que nessas coortes, os indivíduos recrutados, além de submetidos à avaliação clínica e coleta de amostras para os estudos de genômica, foram também avaliados quanto à capacidade cognitiva por testes de QI (quoficiente de inteligência) de dois tipos: o de performance e o verbal.


Os autores identificaram, no genoma dos indivíduos das populações estudadas, um excesso de variantes do número de cópias de genes (CNVs)(7) autossômicos(8) deletérios em mulheres quando comparados com os CNVs em homens. Ainda nesse estudo, em indivíduos com diagnóstico de Doença de espectro do autismo (ASD)(9) um número três vezes maior de CNVs deletérios e de outras mutações foram detectados no genoma de mulheres quando comparados aos de homens. Além disso, os autores realizam cálculos cujos resultados apontam que mulheres, em relação aos homens, transmitem mais frequentemente aos seus filhos esses genes deletérios. Mais surpreendente, os autores identificaram em mulheres portadoras de ASD, associação entre diminuição da capacidade cognitiva, medida pelo QI de performance e verbal, e o número elevado de mutações com ASD, sugerindo que o resultado do QI é um bom marcador clínico para diagnóstico de NDs em mulheres.


Esse artigo, aqui discutido, é o resultado de estudos aparentemente bem conduzidos que procuraram identificar fatores que possam servir como marcadores para diagnóstico e tratamento de doenças de natureza tão complexa como as NDs. Considerando aspectos clínicos e psicológicos de indivíduos portadores de NDs, esse tipo de estudo surpreende um observador de visão mais ampla. O diagnóstico dos indivíduos do estudo realizado por Dr. Jacquemont e colaboradores teve como base as classificações internacionais de doenças do desenvolvimento neurológico, que são criticadas de forma aguda por profissionais que valorizam os aspectos psicológicos do paciente. Somente trazer à tona dúvidas sobre o diagnóstico de indivíduos incluídos nesse tipo de estudo, fragiliza as análises e interpretações subsequentes, que permeiam a discussão dos autores. Uma crítica adicional ao estudo, refere-se à comparação dos achados descritos para os pacientes com aqueles obtidos para mulheres da população geral. Dessa forma, mesmo com base em alicerces frágeis, os autores arvoram-se a concluir que a maior frequência de genes deletérios no genoma de mulheres está relacionado a menor frequência no diagnóstico desse tipo de doença em comparação aos homens e que para as mulheres a forma clínica da doença está associada ao acúmulo de mutações deletérias. Os autores vão além e afirmam que essa maior frequência de genes deletérios contribuem na maior capacidade dessas mulheres com NDs de transmitir genes deletérios para seus filhos. Os autores também sugerem que apesar de não existirem ainda evidencias sobre o mecanismo que explique a associação descrita nesse estudo, análises morfológicas de scan do cérebro de mulheres podem contribuir na identificação de fatores anatômicos ou fisiológicos que expliquem essa associação. Finalmente, um aspecto intrigante desse estudo, que precisa ser monitorado, refere-se à proposta de utilização de ferramentas de avaliação e quantificação de medidas como scan do cérebro e coeficiente de inteligência, para utilização no diagnóstico clínico e, em consequência, em condutas terapêuticas decisivas para o paciente. Essa análise simplificada é preocupante, ela nos remonta à época da craniometria ou de testes de medidas de inteligência, que classificavam e separavam os indivíduos em melhores ou piores, mais performantes ou menos performantes com base em medidas simplificadas. Esse tema que foi tão profundamente criticado por Stephen Jay Gold, em seu livro Mismeasurement of Men, não pode ser esquecido pela ciência(10). Por fim, vale ressaltar que trabalhos como este, de âmbito totalizador, vão na contracorrente do que é o avanço da ciência, sempre provisório e dependente de outros textos. Um trabalho como este, corre o risco de cair nas mãos de pessoas que sofrem com o autismo em seus dramas familiares, e se oferecer aos mesmos como uma resposta definitiva. Os autores, nesse trabalho, extrapolam conjecturas sem bases sólidas mas, amparados pela aura que as vestes científicas lhes conferem, correm o risco de serem tomados como verdade absoluta, tudo que uma verdadeira ciência deve evitar.

  • Why it's not 'Rain Woman' - do inglês Porque não "Rain Woman"

  • "A Higher Mutational Burden in Females Supports a 'Female Protective Model' in Neurodevelopmental Disorders" - do inglês "A Maior Carga de Mutações em Mulheres Sustenta o 'Modelo protetor de mulheres' para Doenças Neurodegenerativas" , (v. 94, p415–425, em 6 de março de 2014) é dos autores Sebastien Jacquemont e colaboradores do Hospital Universitário de Lausanne na Suíça.

  • ND do inglês Neurodevelopmental Disorders

  • Female-protective model do inglês Modelo protetor de mulheres

  • Conjunto de genes de um indivíduo

  • Estudo observacional, longitudinal, analítico de uma população, que objetiva estabelecer um nexo causal entre os eventos a que o grupo foi exposto e o desfecho da saúde final dessas pessoas.

  • CNVs do inglês copy-number variants

  • Gene autossômico é aquele que designa as caracteristicas não sexuais, enquanto que os genes sexuais determinam o sexo do indivíduo e doenças associadas ao sexo. Homens possuem, em seu material genético (DNA), 23 pares de cromossomos, sendo 22 pares autossômicos e 1 par sexual. Os pares autossômicos são os mesmos independente do sexo do indivíduo.

  • ASD do inglês independent autism spectrum disorder

  • Mismeasurement of Men - Stephen Jay Gold - W. W. Norton & Company, Inc, 500 Fifth Avenue - New York, 1996, 1981

Rachel Amin (RJ)

A constatação de que há uma prevalência do autismo entre os homens, independentemente de sua idade, divide opiniões. Muitos analistas acreditam que esta é uma questão importante, e outros, nem tanto.


Yves Claude Stavy acredita que se trata apenas de um termo de classe, mesmo que não se possa negar esta evidência. Ele sugere que devemos ir pela lógica do não todo, distanciando das questões da anatomia.


Eric Laurent escreve na "Bataille de l'autisme" que a intolerância ao buraco, nos dá ferramentas para seguir com a hipótese do porquê os meninos saturados pelo pênis têm uma sensibilidade a mais à foraclusão da falta. Diferença esta que se pauta na relação do sujeito ao Outro e à carga de excitação a ser extraída do corpo. Ter ou não ter o pênis, segundo ele, instala uma diferença importante na convicção radical da pertinência sexuada.


O que a clínica vem nos mostrando é uma verificação da prevalência do autismo entre os meninos, que este pedaço de carne, real, a mais no corpo tem suas implicações subjetivas encaminhando os impasses, de cada falasser, frente ao real.   

 

 

Paula Pimenta (MG)

A proporção de casos de autismo quatro vezes maior em meninos que em meninas faz questão às teorias científicas. Várias respostas são consideradas, sem que alguma seja conclusiva. A teoria cognitivista, denominada Teoria da Mente, considera que o autismo é a manifestação extrema do que significa, pelo funcionamento mental, ser do sexo masculino. Em certa medida, a psicanálise tem com ela uma concordância, só que por outra via de leitura.


Em sua conferência carioca sobre autismo, proferida em junho de 2011, Éric Laurent demarca a curiosidade do que se recolhe das estatísticas epidemiológicas, com a prevalência masculina nos casos de autismo e a feminina, nos casos de distúrbio bipolar. Esse espectro psicopatológico traduziria o isolamento masculino e sua insensibilidade, de um lado, e a abertura feminina ao outro e sua intensa sensibilidade, na outra extremidade. Parece-me que o gozo autístico do Um, comum a todos os parlêtres, ganha a cena mais acentuadamente naqueles casos clínicos de autismo que envolvem sujeitos do sexo masculino. Resta saber em que medida a diferença anatômica é aí determinante, uma vez que as manifestações clínicas do autismo ocorrem em idade bastante precoce, comumente no primeiro ano de vida.

 

Vicente Machado Gaglianone (RJ)

Fui convocado pela diretoria de nossa Escola, a participar do debate em torno de uma proposição que se forja no âmbito contemporâneo dos desafios de nossa clínica frente a um real inquietante. "Que hipóteses a psicanálise de orientação lacaniana poderia construir para dar conta de prevalência muito menor de casos de autismo em meninas do que em meninos?" Tarefa hercúlea que, após muita reflexão, leitura e conversas com colegas , arrisco minhas hipóteses.


 A julgar pelo artigo científico em questão, "Autism: Why it`s not "Rain woman""em The Economist,  e, por inúmeras outras referências verificadas no livro de Éric Laurent "A batalha do autismo", fica notória a dificuldade da ciência em encontrar os determinismos biológicos nos autismos. Nem tão pouco há consenso a respeito do motivo da maior incidência dessa "enfermidade" em meninos que em meninas. Seria importante ressaltar diferenças cruciais entre a ciência e o cientificismo. É bem sabido por nós da orientação lacaniana dos embrolhos dessa querela. O casamento de interesses do modelo capitalista- representado no caso específico, pelo grande lobby farmacológico- com o discurso da ciência,  produz uma pseudo-ciência a seus serviços, com efeitos surpreendentes nos costumes. Mas isso seria uma digressão extenuante que não teria como desenvolver com o devido empenho nesse momento. A questão premente por ora se volta para o ponto específico de o que essa diferença estatística possa vir a nomear? Como cernir esse real?


 O próprio artigo, a seu modo, demonstra como escapa ao cinismo do maniqueísmo higienista-sanitário ao terminar seu discurso com a humilde proposição: "Why that should be, however, remains opaque." Enfim, as respostas permanecem opacas. Éric Laurent termina sua conferência proferida no Rio de Janeiro, em 2011, às vésperas do V Enapol, respondendo a essa questão com a seguinte afirmação: "... porque, precisamente, os homens não podem cortar seus pênis", parecendo assim que, a anatomia é o destino. Em "Dissolução do complexo de Édipo", Freud, referido ao conhecido dito de Napoleão, "O destino é a política", vai dizer que "A anatomia é o destino" . Todos nós conhecemos o desenvolvimento da obra de Lacan e a viragem por ele promovida no aforisma freudiano, onde se pode constatar que a sexuação do falasser não está atrelada ao determinismo anatômico. Em seu Seminário XIV, Lacan, napoleonicamente vai subverter o famoso dito freudiano, "A política é o inconsciente", ao dizer que: "O inconsciente é a política." Uma passagem do necessário ao contingente. Mas, onde encontrar o contingente na afirmação de Laurent?


Cortar o pênis, como não poderia deixar de ser, situa as coisas pela angústia de castração. A castração no real do corpo se opõe à simbólica, que pressupõe já uma passagem pelo Outro. Esta, já é um testemunho da queda do objeto oriunda da separação da criança da mãe. É interessante notar que, a seu modo, o discurso da ciência, no caso específico da pesquisa em questão no artigo mencionado, comete dois atos falhos, ou, poderíamos entender como duas metáforas da psico-dinâmica do discurso analítico. Ele sugere um suposto "modelo protetivo" das mulheres em relação às mutações genéticas que propiciariam o desenvolvimento do autismo. E ainda inserem a questão da transmissão, no caso genético, de gens protetores contra o desenvolvimento do autismo nas meninas. Ora, Lacan nos adverte em "Nota sobre a criança" que será a própria falta da mãe, movida por um "desejo que não seja anônimo" ,  que é o que estará em jogo naquilo que deverá ser transmitido a criança como suporte ao trauma de origem. Mas, que tipo de consequências na constituição de um sujeito pode haver o fato de num encontro contingencial, um filho ser homem e não mulher na fantasia de uma mulher? Aparentemente voltamos à anatomia como destino, agora acrescida da contingência.


Uma pequena brincadeira: a progressão do espectro do autismo em meninos cria uma realidade curiosa. Em 2011, Laurent em sua conferência, atualizando os números, nos diz que em 20 anos o número multiplicou-se por 10, sendo, na ocasião uma a cada 150 e que em 10 anos seria uma em cada 50...Em 2013, na "Batalha do autismo" já eram uma em cada 47...Em quanto tempo será uma em cada um? No artigo, aparece a constatação de que os autistas não chegam a ascender à paternidade... Ora , com que homens as mulheres terão seus filhos? Como a humanidade progredirá? Mulheres deprimidas e homens insensíveis (autistas), acalmem-se, pois a bio-medicina-molecular e os fármacos prometem! 


Enfim, como articular o necessário e o contingente no real de uma existência? É interessante notar a resposta que Laurent empenha ao fim da conversação supra-citada, quando da pergunta de nossa colega Cristina Drummond, ao indagá-lo sobre a impossibilidade dos meninos cortarem o pênis. Ele simplesmente diz que deixará o agujero no meio da sala para que todos possam pensar e inventar a sua resposta.

Portanto, ele está novamente relançado, esperando que nossa comunidade possa construir aberturas para tão complexa e importante questão.  
   

Agradeço pelas inúmeras "trocas de idéias" aos colegas: Lourenço de Astua, Rodrigo Lyra e Patricia Paterson.

Freud, S. (1924) " A dissolução do complexo de Édipo". Em: ESB das obras completas de Sigmund Freud, vol.XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1976.p.197.

Expressão utilizada de forma irônica por Romildo do Rêgo Barros, por ocasião de seu seminário de Orientaçao Lacaniana, na seção-Rio, em março de 2014, ao se referir ao uso que Lacan faz do dito de Napoleão, "O destino é a política".

Lacan, J. (1966-67) "La logique du fantasme ». Inédito, p.360.

Lacan, J. « Note sur l enfant ». In : Autres écrits, Paris, Seuil, p.373.