A EBP e o Ato Médico

 

A INTERVENÇÃO DAS INSTITUIÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE O ATO MÉDICO NO BRASIL

 

Samyra AssadÉ, no mínimo, surpreendente, participarmos de um movimento cuja base, desinstitucionalizada (também aqui não há um líder, tal como vimos nas recentes “manifestações” sociais contra alguns atos do governo), suporta, por assim ser, comunidades psicanalíticas diferentes entre si. Há um laço entre as instituições psicanalíticas brasileiras aí representadas (dentre as quais a EBP), cuja conexão se faz pelo viés de certa “fidelidade” ao que a permite existir enquanto uma articulação entre elas, mantendo-se a heterogeneidade das suas próprias regulações quanto à clínica e teoria psicanalíticas. O interessante é que essa articulação visa a uma intervenção política, quando se trata de preservar a psicanálise fora dos tentáculos governamentais burocráticos. A Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras nasceu para se lutar contra a regulamentação da psicanálise, no ano de 2000, e se mantém até hoje, num movimento constante de sustentar o esforço de se lutar contra os derivados mortíferos da tendência quantificadora da subjetividade contemporânea.


Dentre outros movimentos (ou manifestações) ocorridos até então, participamos, no ano passado, da assinatura de uma carta que impedia o fechamento do CRIA pela Secretaria de Saúde de São Paulo, cujo êxito foi alcançado, e, neste ano, participamos de outra carta, entregue em mãos, para a presidente Dilma. Trata-se da carta publicada na edição anterior desse Boletim, visando interpelar o projeto do Ato Médico. Retomo desta última carta uma parte essencial, a título de um recorte que considero ter sido fundamental para que esse projeto não fosse totalmente contemplado:


Tomamos a liberdade de indicar os artigos que nos parecem atentar gravemente à autonomia e independência dos profissionais não médicos no texto discutido no Senado:


1) artigo 4o., incisos I, X, XI:
“Art. 4º São atividades privativas do médico: I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica [...]1 ; X – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico; XI – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;
2) artigo 5o., incisos I e II:
Art. 5º São privativos de médico: I – direção e chefia de serviços médicos2 ; II – perícia e auditoria médicas, coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;

 

1 Que, conforme mais abaixo no texto do Projeto tem como uma de suas definições as alterações psicopatológicas, o que contraria a competência, conforme alguns autores (inclusive o próprio médico que criou a Psicanálise, Sigmund Freud), mais do psicanalista  do que do médico: “III – alterações anatômicas ou psicopatológicas”

 

2 Na medida em que não fica claro o que é um “Serviço médico”, podendo este inclusive ser todo um ambulatório, uma enfermaria, um dispositivo clínico de saúde – inclusive mental –, esse inciso é um retrocesso em relação ao que já se instituiu no Brasil, no sentido de hoje haver CAPS que funcionam sob a coordenação e supervisão de não médicos, assim como ambulatórios, enfermarias em hospitais universitários, perfeitamente coordenáveis por professores não médicos e trabalhando com os médicos. Aliás, esse inciso entra em contradição até com o que o próprio texto do Projeto de Lei observa em Parágrafo Único: “Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico”. Ora, se não constitui então por que o texto do inciso a inclui?

 

Bem, não dá para reproduzir a emoção de se acompanhar essa carta sendo construída, através de mails dirigidos, respondidos, corrigidos e trocados instantânea e simultaneamente, a agilidade do encaminhamento final e o favorecimento de influências que viabilizaram, por exemplo, o “entregue em mãos” dessa carta para a Presidente do Brasil. É certo que outros esforços provenientes da sociedade brasileira, órgãos de classe, etc., se somaram a este. No entanto, sim, a carta que assinamos compõe uma manifestação de peso, que, certamente, incidiu sobre a decisão pelo veto dessa parte do projeto pela Presidente Dilma, cujo trecho restringia aos médicos a capacidade de diagnóstico e de prescrição de tratamento. Os argumentos indicados foram invencíveis. Ganhamos mais uma batalha, inclusive, para que esses vetos fossem, finalmente, consolidados.


Há uma pedra em cima desse projeto agora, e em cima dos dez anos, aproximadamente, da existência dessa intenção. Esta, é indesejável para quem decide arcar com as consequências de se haver com a prática analítica: uma delas parece ser enfrentar outros discursos que queiram invadir o campo da psicanálise em nome de um domínio altamente nocivo à sua preservação. Esta formulação passível de se extrair da tendência contemporânea, se posso dizer, parece indicar um sintoma, pois, essa visada, sob várias facetas, não cessa de se inscrever. Já introduzimos no Boletim de Julho/2013, aquela que diz respeito à Religião.


...  Assim, eis que outro momento, como um novo instante de ver, se coloca; ele tende a relançar ou convocar as invenções que compusessem uma nova estratégia de ação, agora a partir da tentativa de se restringir a prática analítica, de novo, a médicos e psicólogos. Isso será tratado na próxima reunião da Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, a se realizar em 19/10/2013, no Rio de Janeiro. Desse modo, discutiremos as estratégias a serem tomadas a partir do artigo publicado no Jornal do Conselho Federal de Medicina, de junho/2013, n. 221, p.10, intitulado como: “Psicanálise: ato não é privativo”. A impropriedade do que vem a ser o “leigo”, é assustadora. Vejam:

 

http://portal.cfm.org.br/images/stories/JornalMedicina/2013/jornal%20221.pdf

 

Mais uma batalha se coloca pela frente.


Samyra Assad

Representante da EBP na Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras e Coord. do Observatório da EBP sobre a Regulamentação da Psicanálise.