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Imagem da estátua de Carlos drummond - Março 2020

Imagem da estátua de Carlos Drummond – Março 2020

Correio Express Extra N.5

Editorial

Por Sérgio de Castro – Diretor Geral da EBP

Esse número do Correio Express prossegue com a proposta de avançar sobre as candentes questões que abruptamente nos foram colocadas com a irrupção do COVID-19.

A aparição da metáfora da guerra, proveniente de meios científicos e políticos, parece grassar pela língua. Se ela comporta certa inadequação, uma vez que uma guerra convencional envolverá um real que não o da natureza, como nos indica Miquel Bassols no texto que ora publicamos, ela não deixará também de suscitar nosso interesse, dada a amplitude que parece ter ganhado.

Lucíola Macêdo, em texto que vocês lerão nesse número, também põe em questão tal metáfora, ainda que por vias um pouco distintas. Ela afirma que não se guerreia contra um vírus, um vírus não é derrotado. Uma guerra não metafórica, podemos acrescentar, convocará para um primeiro plano, questões de ordem ética e moral, próprias e exclusivas de seres afetados pela linguagem.

O filósofo contemporâneo Byung-Chul-Han[i], sem recusar essa figura de linguagem, nos diz algo a esse respeito: após o longo período que se seguiu ao fim da guerra fria, quando o inimigo cai com o muro de Berlim, constitui-se um mundo sem fronteiras para o capital. Sem essas, o perigo – que não será chamado de inimigo – passa a se situar mais no plano da positividade e do excesso, algo que nos remeteria, parece-nos, à posição subjetiva que JAM indicou como própria de nossa época e que chamou de adicta. Todos adictos, afirmando seu direito ao gozo, com o objeto a no zênite, produzindo as ditaduras do mais de gozar.  O termo inimigo perde aqui em nitidez e precisão. Com o vírus que irrompe produzindo disrupturas de toda ordem, vemos surgir uma forte reação imunitária social convocando novamente barreiras e restrições em dimensões globais. Um inimigo então se desenha. E muitos, fechando fronteiras, afirmam: lá está ele! Precisa ser eliminado!

Se Miquel Bassols termina seu texto convocando uma máxima estóica que solicita serenidade e coragem para a dolorosa experiência coletiva do real à qual estamos todos submetidos, Lucíola Macêdo, no adendo de seu texto, lembra-nos da fala, em rede nacional no dia 24 de março, onde, irresponsavelmente, o Presidente da República convoca uma desmobilização da sociedade brasileira em relação às medidas que, guerra ou não, articulam o enfrentamento à pandemia que tantas vidas têm ceifado e que se anuncia tão destrutiva e desorganizadora para nosso país. Aqui, sem dúvida alguma, questões de ordem ética e moral poderão ser convocadas a fim de que possamos nos orientar por elas.


[i] O coronavirus de hoje e o mundo de amanhã . Jornal El pais- Brasil
Disponível em: https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanhã-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html

A lei da natureza e o real sem lei* – Por Miquel Bassols – Psicanalista Membro da ELP/AMP – Leia mais

A biopolítica da pandemia – Por Lucíola Freitas de Macêdo – Leia mais

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