Luiz Felipe Monteiro (EBP/AMP)
“It ought to make us feel ashamed when we talk like we know what we’re talking about when we talk about love. We’re just beginners at love.”
(Raymond Carver, “Beginners”[1])
Começar o texto com essa epígrafe de Raymond Carver, claro e evidente, é um gesto plenamente evitável. Sim, mas foi justo por onde veio a resposta ao gentil convite para escrever nesta edição da Correio Express, pelo qual agradeço a chance de ter-me ocorrido essa frase.
Pensar sobre a permutação me remete à epígrafe de Carver e, ao ressoar o apelo da frase, poderia dizer: somos apenas iniciantes na Escola. Esse é o recorte com o qual a permutação pode ter o seu fio mais cortante: colocar em ato a falha do saber como causa que enlaça o desejo por Escola. Afinal, esse não é o elemento-chave da formação atravessada pela Escola em sua lógica analítica?
“Apenas iniciantes”, “meros iniciantes”, “só iniciantes” – todas as traduções possíveis para “just beginners” convergem para algo que, no amor ou na Escola (em sua pergunta fundamental sobre o que é um analista), apontam para um saber que não encontra consistência, nem no registro imaginário, tampouco no simbólico. E é precisamente por isso que essas expressões carregam em si a fagulha de um real concernido na experiência analítica (e no amor?) – o mesmo real que constitui, em sua raiz, a experiência da Escola.
Pensar que, na Escola, somos sempre e apenas iniciantes pode ser uma maneira curiosa de pôr em mira o quão pouco consistente é esse “somos”. Primeiro, porque o enganche libidinal de cada um pelo significante Escola só responde por uma lógica singular – não se trata de um coletivo que possa se conjugar no plural. Segundo, porque não há qualquer consistência em se dizer “iniciante” quando o que está em causa é uma falha de saber estrutural sobre o próprio sentido de ser analista. Uma falha que, posta em marcha, pode causar um desejo que se decante em atos, em laços e desenlaces e – por que não? – em trabalho e seus produtos.
O que me parece ser um aspecto elegante da permutação como lei da Escola é o seu caráter de dupla embreagem: justo por ser um mecanismo institucional lógico, objetivo e preciso, presta-se a ser um ponto de localização daquilo que, na Escola, extrapola a dimensão meramente institucional e aponta para o cerne do que está em jogo na formação do analista.
A permutação não tem seu efeito de Escola garantido apenas pela manutenção do seu mecanismo em autômaton; é preciso que o mecanismo da permutação seja passível de interpretação e subjetivação pelos membros da Escola, para que venha a ser possível um efeito de formação. Isto é, a permutação, por si só, não garante que haja os efeitos de desacomodação e esvaziamento de sentido identificatório à função ocupada – é preciso que esse movimento de troca de nomes e de lugares possa ser lido tanto por aquele que se permuta quanto pelos demais membros, em um movimento permanente.
Essa leitura está, a meu ver, no cerne daquilo que Jacques-Alain Miller situa como Escola-sujeito. Sua lógica, sua articulação e desarticulação entre nomes, lugares e funções depreende um sujeito que pode ser lido – leitura que está a cargo, sempre, de cada um em seu percurso de formação. É através da leitura que os efeitos de desacomodação e esvaziamento do sentido identificatório podem ser recolhidos por cada um e, assim, favorecer suas repercussões no próprio trabalho de Escola.
Seguir essa trilha da dupla embreagem sobre o mecanismo da permutação deixa um fio de investigação que me parece interessante: os elementos institucionais da Escola não são a Escola, tampouco garantem sua existência e continuidade; contudo, sem eles, a Escola como acontecimento não pode ser localizada e lida por cada um.
A Escola acontece sob condições que não se reduzem aos seus dispositivos institucionais. Tais condições afinam-se mais com o desejo de cada um engajado na formação analítica atravessada na Escola e sustentada por ela – ainda que esse desejo não se esgote na Escola. É nesse âmbito que a leitura, seus efeitos e produtos podem ser alcançados e podem repercutir naqueles que são, sempre, iniciantes.