Por Gil Caroz
Se houvesse somente o inconsciente e o sintoma; se não houvesse o falasser e o sinthoma; se a metáfora do sintoma fosse apenas “o envelope formal do acontecimento de corpo” [1]; aí, sim, poderíamos imaginar sessões analíticas realizadas unicamente por Skype, Zoom ou WhatsApp. Nesse caso, a psicanálise participaria plenamente da semblantização do mundo e cessaria de “fazer o paciente esquecer de que se trata apenas de palavras” [2]. É a ignorância das elaborações de Lacan que faz pensar que basta falar para que haja tratamento analítico, pouco importando a presença dos corpos.
A pequena experiência de trocas, por meio de comunicações à distância com analisantes, que acumulamos nos últimos dias, o confirma. Essas conversas são frequentemente bem necessárias. Elas mantêm o laço, lembram que havia outrora um aperto de mãos, que o corpo do analisante chegava à sessão para ser deixado em suspensão a fim de que o sujeito, despojado da rotina da sua realidade, pudesse se transformar, na medida do possível [3], em puro emissor de palavras.
Essas sessões virtuais permitem, eventualmente, confiar ao analista um sonho, um lapso, um ato falho, a exacerbação de um sintoma, e, ao analista, cabe responder por uma interpretação que faça sentido. Isso não impede que essas operações sejam da ordem de uma “elucubração de saber sobre um real” [4].
Uma vez que admitimos que o real e o gozo são o resultado de um encontro entre o significante e o corpo falante [5], somos levados a constatar que a presença é indispensável para tocar o real. Como ressalta Jacques-Alain Miller [6], se o corpo é posto no divã para ser colocado entre parênteses e se ausentar como imagem, é justamente essa ausência correlata ao princípio da abstinência que torna presente o real da não-relação sexual. Além disso, o corpo deve certamente estar presente para que a interpretação fora do sentido possa tocá-lo. Muitos analisantes se lembram de alguns gestos de seus analistas que produziram neles algum acontecimento de corpo, que transformaram profundamente suas vidas, que extraíram um pedaço de gozo e tiveram um efeito real. Os mesmos gestos feitos diante de uma câmera e transmitidos por Skype ou Zoom, teriam simplesmente um efeito cômico. É porque o gozo, na medida em que é encavilhado no corpo, não pode ser extraído por contumácia.
Isso não impede que, nesse caso, uma dialética seja visada. Se a psicanalise não tem standards, ela tem verdadeiramente princípios [7]. A presença dos corpos do analisante e do analista na sessão analítica pode ser considerada como um de seus princípios. Ora, aderir inteiramente aos nossos princípios é transformá-los em standards. Nesse período de confinamento, em que a possibilidade de encontro dos corpos é praticamente reduzida a zero, não somente por ser interdita, mas também por ser impossível que ela se dê sem riscos, o uso dos meios de comunicação à distância parece ser indicado em alguns casos, com a condição de que tenhamos uma ideia do que fazemos.
Uma prática de consultas através desses meios, em um CPCT, por exemplo, não fere o princípio da presença necessário ao tratamento analítico, pois não consideramos que uma conversa telefônica seja um tratamento. Apoiamo-nos, antes, sobre um princípio forjado por J.-A Miller: “não há contraindicações ao encontro com o psicanalista” [8]. Em outras palavras, se o tratamento analítico é contraindicado em alguns casos, o encontro com um psicanalista não o é, necessariamente. Parafraseando esse princípio, digamos que em momentos particulares não há contraindicação a uma troca entre um analista e seus analisantes através dos meios de comunicação à distância.
Éric Laurent propõe “servir-se do Skype com a condição de prescindir dele” [9]. Essa proposição faz eco com o uso do Nome-do-pai que Lacan propõe após o desvalorizar e o tornar puro semblante: prescindir do Nome-do-pai com a condição de nos servirmos dele [10]. Skype e outros meios de comunicação à distância, sinthomas da cultura de nosso tempo, podem ser considerados como uma ponte construída sobre a não-relação sexual, com a condição de que se possa, em seguida, prescindir dela, ou seja, com a condição de que uma presença se torne possível em outro momento. A conversa por Skype não equivale ao encontro presencial, ela é a sua evocação; se ela não pode ser considerada como uma sessão analítica, ela pode se inscrever como um lembrete de um encontro possível [11].
Esse lembrete da presença toma sentido se considerarmos que, em psicanálise, o tempo do sujeito é lógico, e não objetivo. Como enfatiza J.-A. Miller, o tempo lógico desmente o valor de simples evidência que é dado à sucessão no tempo objetivo. É uma “temporalidade singular que o esquema retroativo de Lacan comporta […], uma reeleição das relações do anterior e do posterior” [12].
Podemos, portanto, considerar que uma chamada telefônica constitui uma evocação de uma presença que teve lugar no passado ou que terá lugar, eventualmente, no futuro.
Não sabemos quanto tempo vai durar a catástrofe e as medidas de confinamento que dela decorrem. De todo modo, a crise dura no tempo, um tempo que é objetivo, e é aí que parece haver interesse em introduzir a temporalidade subjetiva e lógica contra a temporalidade objetiva e sucessiva. Daí a importância da noção de lembrança: lembrar a presença, sem querer fazer equivaler o lembrete com a própria coisa. As incidências, nesse caso, são clínicas, mas também políticas. Trata-se de garantir que a psicanálise não seja esquecida.