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aceita o duelo:
I’ll be your foil, Laertes!
: “serei
teu espelho, serei a folha brilhante sobre a
qual darás teu melhor reflexo”
1
.
Com efeito,
A tragédia de Hamlet
, príncipe
da Dinamarca se apresenta a nós como um
jogo de espelhos no qual o espectador é
capturado. A
play-scene
é como o espelho
no fundo de
Las meninas
, onde nos vemos
refletidos, mais precisamente aí onde não
nos corresponde estar: no lugar dos reis que
está pintando Velázquez. Quando Cláudio
se vê na pantomima, não pode ver mais
que aquilo que põe em crise sua qualidade
de rei: sua culpa, seu interior; esquecendo
lamentavelmente que os reis não têm
interior.
A obra propõe também outra simetria, a
que se produz entre a coroa da Dinamarca
e a da Noruega. Como diz Hamlet, numa
linha que tem desafiado as interpretações,
I
am but mad north-north-west
, “Eu só sou
louco a Norte-noroeste.” Com efeito, esta
é a orientação exata da linha reta navegável
que conduz desde Elsinor até a capital da
Noruega. Em vez disso, diz Hamlet, “quando
o vento é do sul distingo um gavião de um
falcão.” É que, exatamente ao sul de Elsinor,
em seu mesmo meridiano, fica Wittenberg,
em cuja Universidade Hamlet aprendeu as
distinções básicas da linguagem e as artes
políticas dos tempos modernos.
A Noruega é, portanto, o “Outro cenário”
da obra, que nunca aparece em cena, mas
que está presente o tempo todo. Daí vão
chegando indícios até que, com o desenlace
da obra, poderíamos dizer que o espelho
(se) gira: de Hamlet pai para Fortinbrás pai;
de Hamlet filho para Fortinbrás filho; e em
ambos os casos um tio mediador.
Neste jogo de cenários, e em relação aos
personagens da tragédia, desenvolve-se a
loucura de Hamlet, na qual distinguimos
três formas, que chamaremos de neurose
hamletiana, loucura bufonesca de Hamlet,
e uma terceira classe de loucura, que há que
referir à loucura do mundo.
Em primeiro lugar, portanto, Hamlet é um
neurótico; ou poderíamos dizer inclusive
que representa a neurose mesma. Tal como
diz Lacan, lhe é insuportável ser; se sente
culpado pelo seu ser. Não pode atacar
Cláudio, porque nele vê seu pai; e se se
vê aí a si mesmo, é como homem de sua
mãe. E por outro lado, não pode separar-
se de Gertrudes, está fixado junto a ela. E é
precisamente por tudo isso que se encontra
sem saber o que é que há de querer; ao
mesmo tempo em que está embaraçado com
um saber que o impulsiona inevitavelmente
a atuar. Neste sentido, procrastina; adia seu
ato. E essa neurose se cura: quando Ofélia
está morta, surge do luto a possibilidade de
uma nova metáfora e de um novo objeto
motor de seu desejo. Isto faz equivaler
a recuperação freudiana do supereu ao
acontecimento inconsciente denominado
por Freud de complexo de castração.
Mas, por outro lado, Hamlet, a partir do
momento em que sabe das circunstâncias
da morte de seu pai, o rei, adota como




