Editorial
Carla Serles
Milena Crastelo
A edição 34 da Correio Express se deixa atravessar pelo tema do XV Congresso da Associação Mundial de Psicanálise — “Não há relação sexual” nas rubricas Sobrevoo e Zeitgeist. Na primeira, seus autores nos dão a ver o que vibra das atividades de cada Seção, especialmente as preparatórias e as Jornadas, fazendo ressoar o tema do Congresso.
Em Zeitgeist, o convite endereçado à Angélica Bastos e à Teresinha N. M. do Prado para que contribuíssem com suas escritas, se deu a partir de um argumento que pode ser reduzido da seguinte forma: “é possível dizer que o real do vínculo social é a inexistência da relação sexual”. Desse modo, tendo como ponto de partida a sua experiência com a psicanálise, que articulação você proporia entre o axioma não há relação sexual e a configuração contemporânea do laço social? Nesse contexto, o amor ainda se apresenta como uma suplência privilegiada à não relação?”
Angélica propõe, assim, que a dessexualização sofrida na vida erótica, em sua mais ampla e psicanalítica acepção, acabe por incidir sob os limites do laço social. Ela se apoia nos acontecimentos da “megaoperação” no Rio de Janeiro para demarcar essa amplificação, assinalando a relevância da palavra sustentada pelo psicanalista no enfrentamento desse real, apesar do fenômeno de desvitalização ocorrido no discurso, que perpassa a civilização contemporânea.
Teresinha enfatiza que para se empreender uma articulação entre o axioma da inexistência da relação sexual e o laço social, faz-se necessário partir da substituição do discurso do mestre pelo discurso capitalista, tendo em vista que esse último deixa de lado as coisas do amor e foraclui a castração. Em seu transcurso por conceitos nodais, ela sublinha que a ciência aliada ao mercado de consumo, produz objetos de gozo que não precisam da escala inversa da lei do desejo para serem obtidos e usufruídos, o que acaba por potencializar o mal-estar na cultura e por ludibriar o sujeito que se crê no lugar de agente.
Ainda nessa rubrica, contamos com as intervenções de colegas da Escola que participaram da atividade preparatória rumo ao Congresso Mundial. Essas intervenções fizeram conversar os dez verbetes do Scilicet escritos por membros da EBP, produzindo uma conversação profícua e animada
Ana Lydia Santiago nos apresenta o Scilicet 2026, destacando “que a ideia central dessa proposição Não há relação sexual é a de um furo no saber para o falasser, acerca de sua posição sexuada. Nada se inscreve no inconsciente sobre o que é ser homem e o que é ser mulher.”
Heloísa Caldas sustenta seu comentário afinado à logica de cartel, que norteou o trabalho e a produção do Scilicet, privilegiando a enunciação de cada cartelizante. Como ela nos diz: “Eis a riqueza diversificada do Scilicet ao redor de um tema comum.”
Nos comentários de Maria José Gontijo sobre os verbetes demarca que os aforismos foram trabalhados nos cartéis sem que os Mais-Uns ou os cartelizantes tivessem acesso à lista dos mesmos em sua íntegra. Portanto, um aforismo para cada cartel, em separado, mas não sem fazer consonância, como se pode verificar no texto de Maria José.
Em Três, Luiz Felipe Monteiro salienta pontos cruciais de cada um dos textos e traz à conversa suas inquietações, convidando o leitor a “pensar em como não ver no amor, no encontro entre os parceiros amorosos, uma das respostas para o gozo solitário, aquele do ‘um sozinho’.”
Essas intervenções apresentadas na atividade preparatória, bem como os verbetes do Scilicet nos dão pistas do que nos espera em abril de 2026 em Paris!
Na rubrica Zona Êxtima, tivemos a honra e a alegria de entrevistar Bernardino Horne, que nos “presenteou” com uma fala fluida, por ele próprio denominada associação livre, sem perder de vista os pontos mais ásperos e candentes de seu livro. explorando temas psicanalíticos transversais à sua obra: Envejecer. O duelo por si mesmo.
Com a exatidão que lhe é própria, situa que Freud nos ensinou que o sujeito, através de seu juízo de realidade, descobre, que o objeto não existe mais. Desse modo, para realizar o luto por si mesmo, é preciso localizar o objeto perdido, ou em outras palavras: “em que ponto da realidade a velhice o tem”.
Sem ilusões, é assim que ressoa sua fala. Há, diz ele, uma solidão derradeira, essa que se adensa com a idade avançada, sendo que a velhice não se oferece como paisagem alegre. Ainda assim, ele segue bailando. E, em seus gestos, nos transmite algo precioso: a fruição da vida, fruída como música, na cadência do que ainda insiste em viver.
Da nossa parte, resta agradecer, não apenas por sua disposição e generosidade ao nos conceder esta entrevista, mas por nos ter oferecido aprendizagens inesperadas, ou aquilo que só uma poeta como Dora Ribeiro saberia nomear com maior justeza: serendipidade, ou seja, capacidade de fazer descobertas felizes e valiosas de maneira inesperada, geralmente, enquanto se procura outra coisa.
Nesta edição trazemos a transcrição da entrevista, mas ela também poderá ser ouvida em nosso canal EBP do YouTube e do Spotify. Aproveitem!
O Bibliô traz notícas das atividades realizadas nas Bibliotecas das Seções da EBP em 2025. Um trabalho vibrante e múltiplo conduzido pelas Diretorias de Biblioteca e suas equipes. Junta-se ao trabalho de Biblioteca, o belo texto de Olivia Viana que lê Bárbara Cassin com Lacan em “O fazer da língua materna”.
Seguimos em companhia das lindas Garafunhas de Artur de Vargas Giorgi.
Boa leitura!
