Repetição e valor de gozo n’A lógica do fantasma
Niraldo de Oliveira Santos (EBP/AMP)
Em 2024, integrando a Diretoria da Seção São Paulo, optamos por escolher “O Seminário, livro 14: a lógica do fantasma”, de Jacques Lacan, para servir de argumento para nossas discussões em torno do objeto a, tema de trabalho que havíamos proposto para o biênio. Mobilizamos nossa comunidade para o trabalho com o Seminário 14 a partir de questões sustentadas e, no primeiro semestre, as discussões se iniciaram antes mesmo de termos a versão em português disponível – esta chegou em muito boa hora no início do segundo semestre.
Ao nos deparamos com os entrecruzamentos matemático-filosóficos e o “entrecruzamento matemático-psicanalítico: o ato sexual esclarecido a partir do número de ouro”[i], não eram infrequentes observar as discussões sendo iniciadas com uma menção à dificuldade na leitura do texto. Porém, longe de recuarmos, víamos o desdobrar de excelentes discussões teórico-clínicas em torno, por exemplo, das declinações lacanianas do cogito – bem como de uma oportuna atualização de Jacque-Alain Miller a partir do dico “sou o que digo que sou”; das operações constituintes de alienação e separação; dos exercícios em torno da sequência de Fibonacci e da proporção áurea apontando para as idas e vindas em torno do objeto a e os modos de satisfação implicados. Mas, sobretudo, tentamos extrair consequências de algumas das afirmações que Lacan nos apresentou neste momento de seu ensino como: “Não existe ato sexual” (precursora, como nos diz Miller, do aforismo “Não existe relação sexual”); “O Outro é o corpo” e “O inconsciente é a política”, culminando na última lição, onde Lacan aborda diretamente o axioma do fantasma.
Lacan nos mostra que, a partir da experiência analítica, à medida que o sujeito avança no campo do ato sexual ocorre uma falta-a-ser, uma falta no gozo do Outro. Porém, a partir de um erro de cálculo do sujeito, que Lacan demonstra pelo Número de Ouro, essa falta é escamoteada. O que há de satisfação no que seria o ato sexual é que nele não nos damos conta do que falta, daí a repetição que isso engendra.
A lógica do fantasma é o que poderíamos chamar de um tratado sobre a repetição e o valor de gozo, temas que convocam, evidentemente, o analista a se perguntar como, quando e onde deve incidir sua intervenção. Um dos momentos do Seminário 14 que gostaria de destacar, antes de encerrar este pequeno texto, é quando Lacan retoma as particularidades e diferenças entre o acting out e o ato analítico, dizendo-nos que “Para falar da lógica do fantasma, é indispensável ter ao menos alguma ideia de onde se situa o ato psicanalítico”[ii].
Portanto, penso que é exatamente por meio da localização precisa dos modos de repetição do sujeito ($) em torno do objeto a que são dadas as condições para o axioma do fantasma ser construído e isolado, não sem um analista que encarne o lugar de a (este semblante privilegiado) e sustente o ato – analítico, não o sexual, evidentemente, porque este não existe. E, como sabemos, neste ponto o Seminário 14 já nos leva ao 15, “O ato psicanalítico”, mostrando a lógica interna no seio do próprio ensino de Lacan.
