Preparatórias universitárias: o encontro com o tempo rei
Caroline Quixabeira
Entre o tempo e a formação analítica existe uma relação intrínseca, um se faz a partir do outro, ainda que não se tenha quantitativamente nenhum dos dois. Não há um tempo que garanta a formação, nem uma formação que indique um tempo suficiente. Assim, uma preparatória na universidade, como a Seção Leste-Oeste tem feito nos últimos dois anos, é um convite para aqueles que dali saíram retomarem o encontro com um tempo ido.
Vamos ao início. Após o lançamento em abril deste ano, as VI Jornadas da Seção Leste-Oeste, sob a coordenação de Ceres Lêda Rubio (EBP/AMP) e direção de Alberto Murta (AME EBP/AMP), dedicaram-se à temática “Encontros e Desencontros – Parcerias Sintomáticas”, sendo marcadas as datas de 10 e 11 de outubro para concluir este percurso. Como parte do trajeto, foram organizadas as preparatórias universitárias, eventos que ocorrem dentro das universidades presentes em cada cidade da geografia da Seção.
No último dia 04 de junho, pude estar presente na que ocorreu em Goiânia, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, universidade pela qual me formei. No encontro, pudemos ouvir Sérgio de Campos (AME EBP/AMP), que nos apresentou um caso clínico e nos falou das dimensões multifacetadas das parcerias. Não só dentro da teoria psicanalítica, mas também da parceria necessária entre um analista e uma instituição para manejo de casos específicos, especialmente no campo da psicose.
Cristiano Pimenta (EBP/AMP) nos apresentou, a partir do caso de Sérgio, a criação de um parceiro pela via do delírio, aproximando-se do caso Schreber, em que o enfermo toma Deus como seu parceiro. Essa parceria vem para significar um encontro com a perplexidade, índice de desencadeamento, e abre para uma construção delirante, que busca recobrir a falha do campo real instaurada a partir do encontro com o furo foraclusivo.
Anna Rogeria (EBP/AMP) foi a próxima, localizando o que Freud explora a partir dos encontros e desencontros dos parceiros em torno do amor, sublinhando que, mesmo que falemos de amor, uma parceria não necessita de dois corpos, ou nem mesmo de um. Levantou a discussão da toxicomania, um paradigma de nossa época, com acesso fácil e múltiplo a variadas drogas, e que permite ao sujeito ter um gozo do Um.
A partir destes recortes das três apresentações, encontramo-nos com as temáticas de quase todos os eixos de nossas jornadas: psicose, parcerias amorosas e toxicomania. Assim, acrescento algo de minha experiência na preparatória, para trazer o quarto eixo, em que o tema é a arte. Enquanto me reencontrava com corredores que percorri durante minha graduação naquela mesma PUC onde a preparatória acontecia, uma música de Gilberto Gil ecoava em minha cabeça: “Não me iludo / Tudo permanecerá do jeito / Que tem sido / Transcorrendo / Transformando / […] / Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei / Transformai as velhas formas do viver”
O encontro com esta música, em um contexto em que o tempo se mostra, acompanha o que Gil nos apresenta sobre o que permanece da mesma maneira, transformando-se, e onde, diante do que continua o mesmo, o espaço físico, o ambiente universitário, ao retornar, algo mudou. Assim como na formação analítica, por retrospectiva, em que algo se mostra, o ato de voltar a me sentar onde um dia me sentei me apresenta o que em mim mudou. Não me restrinjo aqui à ideia de ter me graduado como o marco de virada, mas a algo além, que somente no transcorrer se faz presente.
