Um encontro com o impossível de ensinar
Elisa Alvarenga (AME – EBP/AMP)
Meu primeiro encontro com o impossível de ensinar foi, no início da minha prática como psiquiatra, o encontro com aquilo que eu só podia aprender caso a caso, em supervisão com um analista de orientação lacaniana. Mesmo assim, foi preciso uma análise para que esta orientação colocasse em forma o desejo do analista, diferente do desejo de ser analista. Na experiência analítica, não se ensina a partir do universal, mas temos que nos virar com um particular que não se deixa absorver pelo universal, referido à singularidade do caso a caso[1]. Desde Freud, aprendemos com os casos que, à primeira vista, contradizem a teoria. É justamente o que não se encaixa, não faz sentido, destoa, que nos transmite algo de novo.
A palavra “encontro” com o impossível de ensinar é interessante porque nos remete à contingência, ao inesperado, ao que surpreende o sujeito que buscava uma coisa e encontra outra. Nesse sentido, meu encontro com o impossível de ensinar, ou de aprender, deu-se através de um sonho ao final de minha análise: sonho que roubo uma fórmula, um pedaço de papel, das mãos de um membro da Escola portador de atributos fálicos. Suposta ensinar-me o que é uma mulher, ou ainda, uma analista, a fórmula não me ensina nada, pois é apenas um papel em branco. A contingência do falo, no sonho, interpreta pelo equívoco, apontando para a castração do Outro e o furo no saber. O meu encontro com o impossível de ensinar se deu justamente a partir do que a análise não me ensinou, do furo encontrado no lugar de um saber como fazer existir a relação sexual.
Lacan, ao longo do seu ensino, mostra que só há ensino, em psicanálise, a partir do singular e da enunciação, que se transmite quando toca o corpo do Outro, produzindo um ganho de prazer e vivificando o corpo do falasser. No Seminário 10, isso aparece na experiência que Lacan apresenta como “a torneira de Piaget”, em que o saber se transmite quando ressoa no corpo da criança[2]. No final do seu ensino, Lacan diz que o discurso psicanalítico exclui a dominação, dando a entender que ele se diferencia de um discurso pedagógico, pois nada tem de universal e, por isso, não é matéria de ensino[3].
Jacques-Alain Miller, por outro lado, mostra que o sujeito, no passe, ensina sem saber, pois ele pode transmitir justamente a permanência do fantasma que ele assegura ter atravessado[4]. Trata-se de saber se a lógica da experiência analítica passou à vida do sujeito, e como, que transformação ela produziu. O próprio cartel do passe, se ele quer tudo saber, ou crê tudo saber, obtura a enunciação do passador, que muitas vezes transmite, sem saber, o que do passante ressoou nele. Penso que é por isso que Lacan diz que ensinamos em posição analisante, pois não se trata de ensinar o que se sabe, mas, justamente, o que não se sabe.
[1] MILLER, J.-A. A “formação” do analista. Opção Lacaniana n. 37, set. 2003, p. 5.
[2] LACAN, J. O seminário, livro 10 – A angústia. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 310-315.
[3] LACAN, J. Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de Vincennes, Correio da EBP, n. 65, São Paulo, jun. 2010, p. 31.
[4] MILLER, J.-A. Portraits de famille. La Cause freudienne n. 42. Paris, Navarin Seuil, 1999, p. 57-62.
