EBP Debates #003

 

Na contramão da internação. Um recorte.

Ronaldo Fabião

 

Oportuna, necessária e precisa foi a entrevista com Paulo Amarante da ENSP. Texto interessante se tomá-lo, por exemplo, como contraponto à questão da inserção do analista no social. Tema que, entre nós, tem sido debatido através do conceito lacaniano de analista-cidadão. Seu debate assim, se intensifica; e torna possibilita a quebra do imobilismo que ocupa as práticas humanas.


 A pergunta que me faço, provocado pela entrevista é: o que é para cada um de nós ser analista-cidadão? Por que nos interrogar diante desse texto da entrevista? Porque, primeiro, a internação compulsória dos usuários de crack não é parte do nosso dia-a-dia, salvo para os colegas, posto que são poucos os que trabalham na saúde pública e, segundo, porque, quando somos chamados a intervir, apenas atuamos em casos crônicos, com estória de intervenções muitas das vezes catastróficas da rede de atendimento da saúde pública. Assim, entendo a internação compulsória para o usuário de crack, geralmente o filho bastardo da sociedade, desassistido anteriormente por um serviço público de saúde extremamente frágil. Também desassistido pela política maior de saúde. O sintoma dessa leitura, acredito, é como ler a questão da liberação de todas as drogas! Visto, geralmente, de maneira bem distante, para dar a impressão de que não é fundamental. Essa política maior de saúde de desamparo não se dedica, não se compromete, não se preocupa com o bem-estar possível de seus cidadãos nas coisas mais simples. O efeito da deficiência burocrática, na dinâmica política, financeira, administrativa e policial desenvolve e cria irresponsabilidades sociais graves pelo fato de não reconhecer outros campos do saber, como por exemplo, o da psicanálise. Para esconder tais fatos, procede-se através de algumas artimanhas.  Uma delas se esconde através de um "cuidar" imaginário. Que ao ser ofertado ao público, tem um efeito imediato da solução. O imaginário oferecido é a emergência do desassistido. E quem não é de alguma maneira?  Oferecer segurança, proteção como a "Internação" e o "Pensar o que é melhor ou pior das drogas, lícitas ou ilícitas" tem o mesmo sentido do apelo imaginário da internação compulsória que, a rigor, fragiliza seus cidadãos, apesar da sensação imediata de alívio. O que faz, de fato, é postergar a questão até torná-la insustentável, onde só a truculência da internação compulsória aparece como salvadora. Essa política de saúde pública é responsável por uma leitura hegemônica da violência (ausência da dialética dos campos de saber) e, que hoje a sociedade pratica sem se dar conta que ela sustenta o que ela própria mais condena.  Enormes danos a todos nós. O que fazer? Respondo: ou nos defrontamos com o mal estar causado por essa política hegemônica do imobilismo, da violência e do seu corolário da “força” nos tratamentos ou pagaremos um preço muito maior.