EBP Debates #003

 

Internação compulsória

Cassandra Dias Farias

 

A solução para a problemática do uso abusivo do crack encontrada por alguns setores da sociedade tem sido o da internação compulsória. Tida por muitos como a única possibilidade eficaz de erradicar o uso compulsivo a que um usuário se entrega, encontra em algumas experiências e saberes, fundamentos que justificam sua prática.


A questão é complexa e exige um exame rigoroso e delicado. A meu ver, diz mais do desespero dos gestores, das famílias, do sistema repressivo em geral e menos de uma saída que incide no âmago das questões que estão em jogo quando o assunto é uso abusivo de drogas.


Não podemos esquecer, no entanto, o quanto é desolador o cenário das crackolândias e o quanto pode ser devastador para a vida de um sujeito e de uma família o imperativo da pulsão de morte tão presente nos casos de consumo abusivo, sobretudo em relação ao crack e ao álcool.


A sensação de impotência frente a um consumidor decidido de substâncias que não aceita tratamento e que não consegue mudar o curso de sua relação com a intoxicação, é muito presente. Aliado aos interesses de uma política que conserva o ranço da repressão como sendo a palavra de ordem para a ausência de debate, o empuxo às internações compulsórias encontra terreno propício no seio da nossa sociedade.


Sabemos que não é fácil, por sua vez, aplicar uma política de cuidados que leve em conta a subjetividade de cada um, com toda a multiplicidade de fatores que contribui para que a questão com as drogas seja também um problema social, econômico, educacional, de saúde, de trabalho, de cultura, estrutural, enfim, transversal.
Mas entendendo que as próprias crackolândias são um efeito de discurso, antes mesmo de se constituírem como lugares físicos e que a toxicomania é um produto do casamento de dois discursos potentes - ciência e capitalismo – só podemos receber com descrença o argumento de que a internação compulsória é a saída.
Internações em massa, por decreto e sob força policial não nos parece incidir em nenhum ponto de retificação que permita aqueles sujeitos devastados pela ação da droga, outra possibilidade a não ser fugir desesperados e após serem pegos, voltar à errância do consumo na primeira oportunidade, fieis que são ao próprio circuito pulsional.


O discurso analítico tem seu lugar na construção de uma política que possa levar em consideração o lugar do sujeito, ainda que confrontado pelo paradoxo do ato toxicômano.


Nesses dias, encontrei uma postagem no facebook que dizia em poucas palavras, o que poderia ser a oferta de uma política comprometida com a subjetividade, além dos interesses econômicos. A frase, parodiando o célebre poema de Carlos Drummond de Andrade, No meio do caminho, dizia o seguinte: no meio das pedras tinha um caminho.


Trata-se, a meu ver, de engendrar esse caminho.