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A besta imunda está de volta
Angelina Harari
 

A participação na Conversação Zadig Doces&Bárbaros, a respeito de “Psicanálise e Democracia”1 , não esteve fundamentada num texto, mas partiu de algumas anotações. Retomarei nesta nota alguns dos pontos abordados:

1. Do lado da psicanálise interessa-nos saber de que forma o discurso analítico contribui para este debate, como atuamos em política a partir deste discurso. Zadig, como veículo novo, se presta a isso na medida em que nos engajamos num esforço de fôlego, um fôlego de longo alcance. Para tanto, sua estrutura é leve e radicalmente descentralizada, capaz de durar, de perpetuar alianças. Ora Conversação, ora Fórum, para levar adiante o debate para que nenhum discurso racista, antifeminista ou homofóbico se cristalize.

2. Desde Freud, sabemos que a vida civilizada só se mantém pagando o preço de esforços constantes que não impedem a violência, violência que pode surgir abruptamente, de forma selvagem, sem que se possa pará-la. A violência é nossa carga desde a infância e persiste ao longo da existência. Para fazer existir a psicanálise no campo político, entendo que se faz necessário uma presença não apenas na clínica, na psicologia individual, como nos diz Freud, mas também na coletiva, ou seja, no campo político.2

3. Na raiz da desvalorização da mulher, está uma forma de gozar, de amar, que não se encaixa nos furos (conforme Lacan, o Outro goza de forma diferente da minha e eu a recuso). Feminismos à parte, o domínio sobre o corpo das mulheres revela uma misoginia. Éric Laurent mostra, na entrevista dada sobre o tema do Encontro Brasileiro, que há algo a pensar do lado do ilimitado, na perspectiva das mulheres.3

4. Recentemente, uma colega francesa falou a respeito da ilusão mantida por muito tempo, desde a construção da Europa, de que esta serviria de contenção protetora contra o retorno do fascismo, até que um dia em manifestações de rua ouviu que a besta imunda estava de volta.4 A besta imunda é metáfora usada frequentemente para designar o fascismo. A referência é: “(…) ainda fértil e prenhe – o ventre que pariu a besta imunda” (A resistível ascensão de Arturo Ui, Bertold Brecht).

1 La Movida Zadig-Brasil, “Doces&Bárbaros”, a respeito de “Psicanálise e Democracia”, em 10 de outubro de 2018, conversação transmitida da Seção Rio de Janeiro, transmitida via webex para todas as seções e delegações da Escola Brasileira de Psicanálise.
2 Conferência pronunciada em 13 de maio 2017 no Palacio de la Prensa de Madrid, por Jacques-Alain Miller. Ver em http://ampblog2006.blogspot.com/2017/06/conferencia-de-madrid-por-jacques-alain.html
3 Entrevista com Éric Laurent, realizada por Fernanda Otoni – A queda do Falocentrismo - em 3 de outubro de 2018, em Paris, para a Conversação “Psicanálise e Democracia”. EBP-Rio de Janeiro. Disponível em: https://youtu.be/QVPusLyOVsM
4 Aflalo, Agnès. Journée Question d’École, 03/02/2018, inédito.

   
 
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