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Cartel, um dispositivo de Escola
Rachel Amin1

 

Rodrigo Lyra, nosso diretor atual da secretaria da EBP nacional, coloca uma pergunta importante para os atuais diretores de cartel da EBP: O que poderíamos dizer a respeito dos cartéis virtuais?

Ram Mandil2, em seu relatório para a AMP 2018 a respeito dos cartéis da Escola Brasileira, faz uma pontuação muito interessante, que resumo da seguinte forma: há algo de novo no funcionamento dos cartéis, atravessado pela lógica da pós-modernidade e precisamos pensar a respeito3.

Assim como faz uma pontuação a respeito das duas vertentes do cartel: uma política e a outra epistêmica.

“Este ponto nos faz pensar sobre um aspecto fundamental da vida dos cartéis nas Escolas: a preponderância do seu aspecto epistêmico em relação à dimensão política da experiência. Essa dissociação entre a elaboração de saber e o contexto em que esse saber é produzido acaba, muitas vezes, por acentuar o caráter de grupo de estudos dos cartéis. Penso que tocamos aqui num ponto fundamental do debate sobre o aggiornamento, que é a relação entre a episteme e a política. Não teria Lacan vislumbrado um aspecto indissociável entre a elaboração de saber e a forma como ele concebe o pequeno grupo? A proposição do cartel leva em conta que (...) seja um saber afetado pelo sintoma na sua relação com o Outro, do qual se poderia aferir um desejo de Escola. Não seria este um contraponto à relação auto-erótica que se tem hoje com o saber, numa era em que as informações estão largamente acessíveis por meio de um clique?"4.

É a partir destas pontuações que escrevo uma reflexão.

O cartel é um pequeno grupo, diz Lacan, mas um grupo como real5. Um real que emerge de forma diferente, porque é fruto de um produto do discurso analítico que pode provocar um tratamento do real no coração do laço social. Para isso, é preciso então que cada cartelizante se engaje com seu corpo, que se deixe atravessar pelo que lhe causa na sua relação com a psicanálise, numa batalha entre a desorientação própria ao real e o real tomado como bússola que nos orienta.

Assim, o cartel como dispositivo pulsa em sua vertente real. O ponto de partida deste laço social feito na Escola é a não relação. Isso funda, ou deveria fundar um trabalho de cartel que propõe bordejar este furo em torno do não saber. O que enlaça o tratamento do real pelo dispositivo do cartel em sua vertente política à produção de cartel em sua vertente epistêmica.

O cartel aparece então como tratamento aos efeitos de grupo e ao mesmo tempo, pela outra vertente, alimenta a Escola com suas produções.

Surgem duas perguntas: O que diferenciaria a produção de cartel dos outros momentos de ensino na Escola? E, por outro lado: por que um cartel é diferente de um grupo de estudo?

O cartel foi pensado por Lacan para tratar, como dispositivo de Escola, os efeitos de grupo. Tomar, como Miller6 orienta, a necessidade da presença encarnada para tratar algo do não simbolizável, talvez possa nos auxiliar na pergunta a respeito das consequências e resultados da proposta de tratamento do real que aparece no coração do laço social pela via do cartel como dispositivo de base da Escola.

Talvez tenhamos que pensar e avaliar o cartel em duas vertentes: em sua vertente epistêmica e em sua vertente de dispositivo de Escola, que almeja tratar os efeitos de grupo, para que possamos avançar em nossas questões.

Nós sabemos que o cartel com funcionamento virtual já é um fato entre nós. Acreditamos que ele traga sim efeitos interessantes para a Escola. A proposta é apenas levantar questões no sentido de verificar em que ele se distancia ou não da proposta de Lacan e quais os efeitos causados por este novo modo de funcionamento dos cartéis.

Referências
MILLER, J.-A. “Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola”. Opção Lacaniana online nova série. Ano 7, nº 21, novembro 2016.
Ver em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_21/teoria_de_turim.pdf
MORAO, M. “Cartel y Escuela: efectos de formación en el siglo XXI”. In: XXII Jornadas Nacionales de carteles de La Escuela de Orientación lacaniana - Huellas de uma experiência. BsA: Ed. Grama, 2014.
Ver em: http://cuatromasuno.eol.org.ar/Ediciones/004/template.asp?Plenarias-Jornadas/Plenarias/Cartel-y-Escuela-efectos-de-formacion-en-el-siglo-XXI.html




1 Membro de Escola, Diretora de cartéis e Intercâmbios, EBPRJ, 2017-2019.
2 AME/AE, Membro de Escola EBP/AMP.
3 MANDIL, R. A. “Política de Escola, política de Cartel”. Conferência proferida na Jornada de Cartéis da EBPRJ em 29 setembros 2018. Inédita.
4 MANDIL, R. A. Informe da Secretaria de Cartéis da AMP, apresentado na reunião de seu Conselho, em janeiro de 2018. O tema de trabalho proposto foi “O aggiornamento democrático das Escolas: que mudanças suscitam?”.
5 LACAN, J. O Seminário, livro 21. Aula de 09\04\74. Inédito.
6 MILLER, J.-A. “O inconsciente a advir”. In: Opção lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Ed. Eólia, nº 79, julho de 2018.

 

   
 
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