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Intervenção para a Grande Conversação da Escola Una Barcelona, abril de 2018

Saber e Escola

Luiz Fernando Carrijo da Cunha

Como contribuição para esta conversação, convite pelo qual agradeço, deter-me-ei em dois pontos que, ao meu ver, são fundamentais no que diz respeito ao tema proposto: saber e Escola. Entretanto, antes de expô-los, esclareço que estão fundamentados em três textos que dão suporte para um questionamento da Escola: “Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola” (Miller, 2016); “O triângulo dos saberes” (Miller, 2017) e “Alocução sobre o ensino” (Lacan, 2003). Cada um deles nos traz elementos que servirão de base para o debate.

A Escola, na sua relação com o saber, remete-nos à sua posição como sujeito, ou seja, “uma Escola que pensa e que responde” (Miller, 2016), uma Escola em que o lugar do ideal do eu, concebido desde uma coletividade, é um “lugar de enunciação” que, contrariamente ao discurso do mestre, com seus efeitos alienantes, busca uma enunciação cujos efeitos interpretativos remetem cada um da coletividade à sua solidão em relação ao ideal. Isto por si só já determina que o princípio da Escola de Lacan se funda em bases diferentes das coletividades sustentadas pelo discurso do mestre. Um artifício, sem dúvida, posto que a relação “natural” do sujeito com a linguagem mostra mais um funcionamento agenciado pelo significante mestre. Será, pois, o próprio dispositivo analítico que poderá colocar em evidência a Escola como sujeito, não sem a participação de cada um dos seus elementos que respondem à sua relação com o ideal. Isso implica a “interpretação”, que, como já disse, advém de um lugar de “enunciação”. Digamos então, para sermos breves, que a Escola existe mediada pelo lugar de enunciação que ela preserva; um lugar de enunciação ocupado, “solitariamente”, no “um por um”. Um conjunto que porta, em cada um de seus elementos, um lugar vazio. Portanto, a Escola, em seu princípio, comporta um “paradoxo” que diz respeito a uma coletividade e ao mesmo tempo a cada um de seus elementos, sendo que a “solidão subjetiva” está colocada em primeiro plano.

Então, diante da tese da Escola-sujeito, podemos nos perguntar em que ponto a Escola de Lacan está em relação ao saber que ela comporta. Um saber que circula entre seus membros, mas também o saber que ela suporta enquanto lugar de “suposição”; aliás, é desse lugar que ela se conta como sujeito. Para estender um pouco mais esse princípio, interrogamos como os nossos dispositivos internos funcionam como lugares de interpretação. É certo que a interpretação não é coletiva, ela parte de “um” lugar cuja enunciação produz efeito de interpretação. Nesse sentido, podemos enumerar alguns destes lugares, cujas “sacralizações” podem colocar em risco o próprio efeito interpretativo. Dizendo de outro modo, a Escola só pode estatuir-se como sujeito na medida de sua abertura aos lugares próprios de enunciação. Disso depende:

  1. Que cada membro “saiba” de sua solidão em relação ao que lhe causa na sua relação própria com a psicanálise e com seu desejo de Escola. Cito Miller (2016): “A Escola é uma formação coletiva na qual se sabe a verdadeira natureza do coletivo. Não é uma coletividade sem ideal, mas uma coletividade que sabe o que é o ideal (portanto, advertida), e sabe o que é a “solidão subjetiva” (necessária ao lugar de enunciação).

  2. Que a categoria do saber que aí circula está vinculada a três modalidades trazidas à luz por J.-A. Miller no texto “O triângulo dos saberes”: saber-semblante, saber-verdade, saber-ciência – os três não se complementam, mas cada um na sua relação com os outros dois demonstra um “furo” que lhe é estrutural, o que o modaliza com o saber inconsciente.
  3. Que a interpretação, advinda do lugar da enunciação, coloca em evidência esse “furo no saber” e é dele que a Escola é sujeito, na medida em que vive seus efeitos no “um por um”. Logo, tais efeitos, embora atinjam o coletivo, não são “coletivizáveis”, no sentido da massificação, senão no compartilhamento da causa que nos é comum e, ainda assim, cada um mantendo sua diferença nesta relação.

Ora, mas se a relação “Saber-Escola” nos ocupa e, acompanhando Miller em sua “teoria de Turim”, cujo efeito de sujeito coloca em evidência a Escola e a suposição de saber, parece-nos pertinente interrogar sobre o lugar que o ensino ocupa desde este ponto estrutural.

O discurso universitário é justamente aquele que coloca o saber no lugar do agente, produzindo um sujeito solapado pelo mais-de-gozar, onde o significante mestre vem ocupar o lugar da verdade. Esse saber-agente se ensina? Seguramente, esta questão toma a todos os que se ocupam do ensino da psicanálise e Lacan se dedicou a ela em “Psicanálise e seu ensino” e posteriormente retomou a questão em “Alocução sobre o ensino”. Neste último, lança uma “observação”: “uma observação para sanear nosso caso: pode ser que o ensino seja feito para estabelecer uma barreira ao saber”. E J.-A. Miller, comentando esta passagem de Lacan em “O triângulo dos saberes”, diz que Lacan “desmente a fórmula segundo a qual o ensino é a transmissão de um saber” e segue dando ao saber a categoria de “saber inconsciente”, portanto impossível de ensinar.

Pareceu-me conveniente, nesta conversação, abordar os efeitos de interpretação que instituem a Escola como sujeito e, dentre eles, encontrar, a justo título de um debate, o lugar do ensino que, por razões próprias da psicanálise institui esse ensino pela via do que fracassa.

Referências:

MILLER, J.-A. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. Opção Lacaniana online nova série. Ano 7. Número 21. Novembro de 2016.

MILLER, J.-A. O triângulo dos saberes. Opção Lacaniana online nova série. Ano 8. Número 24. Novembro de 2017.

LACAN, J. "Alocução sobre o ensino". In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

   
   
 

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