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O ódio que invade nosso cotidiano1
Cínthia Busato 2

Fernanda Otoni escreve que “uma democracia não se resolve na horizontalidade do para todos, mas na tensão irruptiva e, tantas vezes dissonante, do um por um” 3(1). Então, num exercício político necessário e urgente, realizamos no dia 27 de abril passado uma Conversação para tratar da tensão irruptiva do ódio que invade nosso cotidiano. Seja nas redes sociais, no trânsito, na violência crescente das cidades, nas execuções sumárias, todos nos deparamos com o impasse desse encontro com o discurso do ódio, que não pretende construir nada com o interlocutor, só destruir, aniquilar qualquer diferença.
Normalmente produto de um eu inflado que se agarra a um ideal imaginário na busca de resolver a estrutural instabilidade que o encontro com o outro traz, é uma tentativa de aniquilar a diferença, pois esta ameaça ao próprio eu idealizado. Este é o ódio que emburrece.

Temos, também, frente a esse vacilo que o outro que fala nos causa, a possibilidade de nos abrir ao novo, à criação, ao laço social e é apostando nisso que foi proposta essa Ação Lacaniana.
Um de nossos convidados foi Oscar Reymundo, nosso colega membro da EBP/AMP. Oscar nos disse que o ódio corta as possibilidades de diálogo, impossibilitando o exercício político, já que fazer política é uma resposta no interior do laço social ao impossível de se complementar, perante o impossível de se articular harmoniosamente, idilicamente, sem impasses, sem atritos nas relações entre os seres falantes. Aí onde reina o abismo entre as vontades de satisfação do sujeito e do outro só a política pode se constituir como uma solução para não se impor a destruição do outro e de si mesmo. A política é a possibilidade de não dar continuidade à guerra. Às vezes a política fracassa. A política chega depois da guerra, para dar outro destino ao ódio. Quem nada quer perder não faz política e torna impossível o laço com os outros; quem repudia o radicalmente diferente que perturba o pretendido idílio do eu consigo mesmo, também não faz política.

Nossa outra convidada foi Luzia Cabrera, advogada de causas populares, que se depara cotidianamente com efeitos no discurso desse ódio que avança. Luzia nos disse que cada vez mais cresce o clamor por mais penalização e para quem atua em uma visão mais crítica do direito penal, a penalização deve ser última solução para a sociedade. Antes temos que buscar alternativas, como políticas públicas, políticas de informação. Essa é uma questão. A outra é que diante da frágil democracia em que nos encontramos e de um Congresso Nacional que já demonstrou estar repleto de compra e venda de votos e interesses, o risco de se produzirem legislações contrárias a uma visão progressista, é certo.

Depois de suas falas, abriu-se uma fértil conversação. Um dos pontos levantados foi se podemos falar de discurso de ódio, já que esse não se abre à argumentação do outro, iterando sempre o mesmo ponto irascível.

1 Atividade realizada sob a coordenação de Cynthia Busato, juntamente com Jussara Jovita Souza da Rosa, Lilian Yamaguchi e Tatiane Fuggi.

2 Diretora de Cartel e Intercâmbio da EBP - Seção Santa Catarina.

3 “D’École – Democracia e Enunciação de Fernanda Otoni Brisset, publicado no Boletim Um por Um nº 334.
Ver na íntegra em:
http://www.ebp.org.br/1por1/2018/01/24/decole-democracia-e-enunciacao-fernanda-otoni-brisset/

   
   
 

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