Dobradiça de Cartéis

Novembro de 2014

DOBRADIÇA DE CARTÉIS Nº 17

Boletim eletrônico dos cartéis da EBP

 

Dobradiça de Cartéis

 

 

Editorial

 

Ressonâncias de um Encontro

Lúcia Grossi

 

O XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano nos ofereceu tantas surpresas interessantes para os ouvidos, os olhos e o pensamento, que ainda estamos sob o impacto destes estímulos. As artes plásticas, a música, a dança estiveram ali representadas, mas também a política e a universidade. Tudo isso como complemento a um trabalho cuidadoso de elaboração de saber no campo da psicanálise de orientação lacaniana. Tivemos uma oferta maravilhosa de mesas de trabalho, conferências, seminários e plenárias, além dos momentos de congratulação e comemoração.


Gostaria de chamar a atenção para uma comemoração muito especial realizada neste Encontro, o retorno da presença dos Cartéis. Depois de dez anos sem a participação dos Cartéis nos eventos nacionais, os Cartéis voltam como um evento, não mais como um evento suplementar, mas no cerne mesmo do Encontro, fazendo corpo com ele. O Cartel retorna à cena, literalmente, “amarrado” ao fio das questões que suscitaram o tema deste Encontro: ao trauma e à violência vem juntar-se os destinos do amor. Vários cartelizantes enviaram trabalhos que foram apreciados pela comissão científica e apresentados em mesas simultâneas.


Mas o ápice desta nova presença dos Cartéis da Escola Brasileira de Psicanálise foi a mesa plenária que reuniu o Cartel do Passe e o Cartel da Comissão Nacional de Cartéis, cujo tema foi “O amor e o inconsciente no final da análise”. Essa plenária realizou um encontro muito especial entre os dois dispositivos que fundamentam a Escola, assim como Lacan a concebeu: Cartel e Passe. Pôde-se demonstrar as duas faces do trabalho de Cartel: a elaboração de cada um, que foi possível recolher nos textos dos membros do Cartel do Passe: Ana Lydia Santiago, Angelina Harari, Leonardo Gorostiza (Mais-Um), Marcus André Vieira e Rômulo Ferreira da Silva, e a elaboração do Cartel como um todo, que nos foi trazida por Carlos Augusto Nicéas, Mais-Um do Cartel da Comissão Nacional de Cartéis, composto por Maria Josefina Sota Fuentes, Paola Salinas, Cristiana Gallo, Inês Seabra e Cristiane Barreto. Os textos produzidos por cada membro do Cartel do Passe foram previamente lidos e interrogados pelo Cartel da Comissão Nacional de Cartéis. Nicéas apresentou então, logo depois das leituras dos textos e da pontuação feita por Miquel Bassols, convidado internacional do Encontro, o resultado da discussão.


Presenciamos uma demonstração viva de como o trabalho do pequeno grupo é possível a partir da elaboração de cada um: cria-se um espaço de conversação que inclui a todos e permite avançar em direção a algo que se possa reconhecer como coletivo. Esse produto do Cartel não é simplesmente a soma das contribuições individuais, não existiria sem a palavra e a presença de cada um que ali esteve.

 

Gostaria de trazer alguns pontos que me ficaram da escuta dos textos e das pontuações de Bassols:
- O final de uma análise exige um passo a mais para se articular ao Outro, ou seja, retoma-se o laço ao Outro de uma outra maneira.


- Não haveria liquidação da transferência, mas uma mudança do modo de amar, que não implica necessariamente uma mudança de parceiro.


- O fim de uma análise não é algo que se possa calcular, acontece de forma contingente.
- O final da análise produz um amor fora dos limites da lei simbólica da repetição, pois seria um amor conectado à contingência e ao feminino.
- O amor de transferência não tem um destino, uma causa final. O destino é o próprio caminho e há uma satisfação no caminho.

 

São alguns pontos que suscitam nossa elaboração.


O Dobradiça de Cartéis 17 nos propõe a leitura de alguns textos apresentados em mesas simultâneas no XX Encontro. O texto de Inês Seabra intitulado “Amor e violência: infâncias roubadas” nos fala da trágica condição de crianças brutalizadas, mas que “amam mesmo assim”, preferindo permanecer junto ao agente da violência. No trabalho analítico, o laço transferencial pode ser uma via que permita às crianças uma separação da posição de objeto, consentindo com a castração.


“Para além do amódio: a transferência de trabalho no cartel” é o título do trabalho apresentado por Ana Cristina Figueiredo e nos traz coordenadas fundamentais para pensar a vocação do Cartel para escapar do domínio do amódio, tão presente nas relações humanas. No Cartel a elaboração de saber é apoiada na transferência de trabalho, buscando o vetor horizontal e não a mestria. “O Cartel se encontra entre o ensino e a transmissão do que se produz em seu percurso, endereçado a Escola”, nos diz Ana Cristina, o que significa que na base da transferência de trabalho está a transferência à Escola.


Nancy Greca Carneiro começa seu texto com uma questão fundamental: “Poderá a psicanálise oferecer a via de um novo amor que considere o que há de mais contingente e singular em cada um?”, o novo amor do final da análise, esvaziado das pregnâncias imaginárias produz um novo saber, o gay sçavoir, um saber sobre o inconsciente que não leva à paixão do sentido mas, antes, ao amor ao sinthoma.


Teremos ainda três textos, apresentados no Momento Cartéis, realizado em novembro na Delegação Paraíba. Pauleska Nóbrega apresenta as dificuldades da transferência hoje, onde vigora o gozo do Um-sozinho e a recusa do inconsciente. Neste cenário, diz ela, resta à psicanálise sustentar “um amor mais leal à palavra que à paixão”. O texto de Cleide do Nascimento introduz a questão do manejo da transferência negativa que “se desloca do campo interpretativo para a busca de condições de sustentação e suporte dos afetos hostis vivenciados”.


Finalmente, retomo uma palavra descoberta por Bassols no português, que usamos frequentemente, mas não a escutamos como um estrangeiro. Ele nos falou do seu encanto pela palavra “endereçamento”, que evoca para ele um movimento que constrói um destino. De fato, sem endereçamento o amor não faz laço, sem endereçamento não há Cartel nem passe, não há Escola.

 

Escrita cartelizante

Trabalhos apresentados no Evento Cartéis no XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano

 

Amor e violência: infâncias roubadas1

Inês Seabra Abreu Rocha

 

A modernidade é fecunda em reproduzir nas relações as diversas formas dos embaraços do amor. A desordem amorosa contemporânea tem seus reflexos na história de amor entre a criança e sua mãe, inscrita dentro do grande mal-estar atual... [leia mais...]

 

 

Para além do amódio: a transferência de trabalho no Cartel

Ana Cristina Figueredo1

 

Assim se passaram 50 anos
“O ensino da psicanálise só pode se transmitir de um sujeito para outro pelas vias de uma transferência de trabalho”. Assim Lacan introduz outra dimensão da transferência no Ato de Fundação de sua Escola em 1964. Lacan inaugura a... [leia mais...]

 

 

“Gaio Issaber”: por um novo amor

Nancy Greca Carneiro

 

A questão que me formulo se orienta em torno do amor. O lugar do amor do analista e pelo analista na transferência nos ensina um novo amor? Poderá a psicanálise oferecer a via de um novo amor que considere o que há de mais contingente e singular em cada um? Em Mais ainda, Lacan apresenta o amor como signo, signo de que se troca de razão... [leia mais...]

 

 

Trabalhos apresentados no “Momento Cartel” na Delegação Paraíba

 

Amor de transferência em Tempos Modernos 1

Pauleska Asevedo Nobrega

 

Em tempos de guerra e de violência nas cidades, a pulsão de morte se mostra internalizada de forma singular, no modo de gozar em “si-mesmado” do seu Um-sozinho. Observamos uma mutação do laço social que implica na atualização do inconsciente e sua realidade pulsional com certo ineditismo no que concerne às configurações da transferência, ... [leia mais...]

 

 

Transferência negativa e positiva na experiência analítica

Cleide do Nascimento

 

Este trabalho foi elaborado após um ano como cartelizante no Cartel intitulado “transferência”. O tema sempre me inquietou a partir da indagação: seria a transferência positiva a mola propulsora da análise? Ao ponto que a transferência negativa o indicativo de que a análise não vai bem? Como operar essas duas vertentes na análise? [leia mais...]

 


NOTÍCIAS DOS CARTÉIS NA EBP

DELEGAÇÃO PARAÍBA

Responsável pelos Cartéis: Cleide Pereira Monteiro

 

Momento Cartel

Coordenação: Cleide Monteiro e Maria Cristina Maia

 

Foi com muito entusiasmo que a Delegação Paraíba realizou, no dia 11 de novembro, em Campina Grande, o Momento Cartel, atividade que foi assim nomeada e teve o propósito de acolher a escrita cartelizante daqueles que estão inseridos nos Cartéis em nossa Delegação.

 

De fato, um momento rico, de muitas questões, de produções teóricas, com oito trabalhos distribuídos em duas mesas de debate: uma, com trabalhos em torno do tema da transferência e sobre Mallarmé, e outra, sobre a função da escrita na psicose. Nos entremeios das discussões, os Mais-Uns se pronunciaram a partir do lugar concernido por essa função. O que o Cartel ensina e quais seus efeitos de formação, seu lugar privilegiado como porta de entrada na Escola de Lacan, foram questões que nos tomaram nessa noite especial de provocação ao trabalho. Saímos com os ânimos renovados e certos de que este dispositivo de base promove trabalhadores decididos que nele se implicam, cada um com sua solidão, porque experimentam que esta empreitada se dá, não sem a companhia do outro. Que continuemos juntos nesta e nas outras apostas a que Lacan nos lançou!

 

COMISSÃO EDITORIAL

Comissão Nacional dos Cartéis da EBP: Paola Salinas (Coordenadora), Inês Seabra, Cristiana Gallo, Cristiane Barreto e Maria Josefina Fuentes (Diretora Secretária da EBP)
Logomarca: Luiz Felipe Monteiro sobre obra de Escher

 

Dobradiça de Cartéis