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A Querela do falo
Christina Brasileiro

Em 1958, Lacan reabre uma discussão ocorrida entre Karen Horney e Helene Deutsch nos anos 20 e 30, ao fazer uma conferência em Munique – “A Significação do Falo.”

Elogia o debate e presta uma homenagem à maneira como cada autor se engajou. Evoca a discussão de pouco frescor que ocupou a comunidade analítica entre as duas guerras, e destaca a oxigenação que elas fazem ao tema.

O debate à época tratava de uma questão de amor (para o pai e a mãe), de ódio (mãe), de inveja e de ciúme. Um debate feminino envolvendo a questão da sexualidade e mobilizando as mulheres analistas.

Elas tinham como principal indagação, se a identificação com o pai abria ou fechava o caminho que conduz à feminilidade, se seria um ponto de apoio ou um obstáculo.

A discussão se origina no primado fálico colocado em evidência por Freud em 1923: “Para os dois sexos, um só órgão genital, o órgão macho, desempenha um papel. Não existe um primado genital, mas um primado do falo”. O prejuízo anatômico que aflige a menina determina sua “inveja do pênis” e sua entrada no Complexo de Édipo. É sobre essa inveja do pênis e o complexo de castração da mulher, que as analistas se debruçam no curso da querela do falo.

Freud diz que a menina ama primeiro a mãe, mas a abandona sob o signo da hostilidade por que há algo que ela não lhe deu. O amor se torna ódio, por entender que a privação do órgão é ausência de amor. A menina entende que a mãe tem e não lhe dá por que não quer. Volta-se então para o pai, a fim de obter o que a mãe não lhe deu. Deseja dele um substituto – um filho – e espera uma prova de amor, mas se dá conta que não há nada a esperar, pois foi à mãe que ele o deu. Decepcionada, o abandona. 
                                                                                                                          
Karen Horney discorda que a inferioridade dos órgãos genitais da mulher e a inveja do pênis sejam fatores dominantes na psicologia feminina. Considerava que a “desvantagem” da menina não incidia sobre o órgão, mas sobre a possibilidade de satisfação. Nesse sentido, Freud, na Conferência de 1931, afirma que a menina inicialmente teve como principal zona erógena o clitóris abandonado em função de uma nova – a vagina – em nome da triangulação edipiana. A menina atribui à mãe essa primeira interdição – a satisfação clitoridiana.

Helene Deutsche seguirá Horney e defende que a feminilidade não depende nem da anatomia nem da mudança de órgão, mas do fantasma sadomasoquista edipiano, que se coloca secundariamente no lugar da primeira satisfação clitoridiana e leva a menina em direção ao pai. A menina se dirige ao pai para que impeça a mãe de proibi-la de sua satisfação, porém o pai se apresenta como um auxiliar da lei, e a decepciona. Ela então o coloca num lugar passivo e castrado. O conflito se instala pela culpa e ela regride a seus primeiros amores.

Lacan afirma: “Há ali alguma coisa que elas não viram”. Elas foram cegas pelo que ele chama o “véu do órgão” pois o que conta não é a repartição do órgão entre o homem e a mulher, e incita a separar o significante do órgão. Trata-se da relação do sujeito com a falta de significante e, consequentemente com o significante que faz suplência a esse significante faltante – o falo – simbólico.

Para ele, há algo que Deutsche não pode falar. Ela joga um véu pudico sobre a castração do pai, que para ele é o ponto de falta, desaparição, de fuga, marca do desejo do Outro. A dificuldade para a menina, não vem de sua própria castração, mas de sua relação com o ponto de negatividade, que no Outro é reencontrada. (-φ)

Pierre Naveau recorre a Lacan, no Seminário 8, para explicar essa dialética. Ele nos lembra que Lacan ressalta o fato de que, no momento em que a menina abandona seu pai, trata-se de um luto – o luto pelo falo. O sujeito feminino é intimado a renunciar ao falo, que é precisamente o que não pode ser obtido do Outro. A menina abandona seu pai e tem o sentimento de que é ele quem a abandona. Tira como consequência: amamos e, no entanto nos abandonamos. “Certamente há o amor quando nos encontramos. Aqui, porém, trata-se mais do amor quando nos abandonamos”

 

   
   
 

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