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Os homens e as mulheres na partida da sexuação*
Nelson Matheus

“Primeiro uma asserção: há o gozo fálico. Em seguida, uma questão: será que há um outro gozo?”1 Assim, Pierre Naveau inicia a abordagem sobre as “Variedades do Gozo”, tratando de esclarecer a lógica à qual Lacan recorre para sustentar a sua expressão “não-há relação sexual”. A função fálica Φ(x) – função que permite escrever a relação com o sexo - e o gozo fálico J(Φ) são argumentados afirmando ou negando o valor de verdade da proposição “há o gozo fálico”, a partir da variável (x) – que representa um sujeito –, para constituir as assim chamadas fórmulas da sexuação.

Homens e mulheres são repartidos e abordados a partir da lógica que concerne ao gozo. Para que dessa repartição uma contingência faça existir um encontro, determina-se uma orientação pelo desejo: é do chamado lado homem que se aborda o lado mulher. Nessa lógica, o lado mulher está situado como a causa do desejo enquanto aquele que está localizado no lado homem é o efeito desse encontro. Esses dois lados da sexuação passam a ser definidos por meio de como cada ser falante está em relação com a função Φ(x), se a satisfaz, ou se não.

A matemática do lado homem - ∀x . Φ(x) e ∃x . Φ(x)

No lado homem, a exceção paterna é o que articula a relação entre gozo e castração - “todo homem (∀x) se inscreve na função Φ(x), com a condição de que haja um (∃x), o Pai, que não se inscreve ali”2. A função fálica, nesse caso, só é satisfeita para todos se houver ao menos um para quem ela não o seja, ou, como diz Lacan em “O Aturdito”, que a função fálica não compareça3. O postulado do universal como tal, todo homem, só o é ao se opor a uma existência que, como desmentido à função fálica, o torna possível (LACAN, 2003). É a partir da existência desse um que “diz não” à função Φ(x), implicando todo homem na castração, que se viabiliza o fazer suplência ao ab-senso da relação sexual.

Impõe-se aí uma impossibilidade: se existe todos os homens, todas as mulheres, isso não há. Elas só poderão ser abordadas uma por uma. A castração, é assim, a operação lógica a qual permite que do lado homem da sexuação a relação com uma mulher seja algo possível.Essa insígnia vale para todo homem. É destrinchada, nesse ponto, a motivação do neurótico infiel, ele se desvia da lógica que concerne ao Menos-Um, tentando evitar, assim, a castração.

Pierre Naveau, brilhantemente, esclarece, que a não relação sexual desvela a existência não só de uma impossibilidade na relação entre os sexos, mas, principalmente, aponta para a confirmação de um Outro sexo, do sexo feminino.

A matemática do lado mulher - ∃x . Φ(x) e ∀x . Φ(x)

No lado mulher, ou para que um sujeito possa ser dito mulher, este se determina por um todo fora do universal, como nãotodo (LACAN, 2003). Aqui, não há exceção que faça limite, mas aponta, ao invés disso, para uma variedade de gozos. Ou seja, não há mulher que não esteja sujeitada à castração. Em paralelo, não há mulher que seja toda inscrita na função fálica. É uma proposição que comporta uma contradição. Isso implica dizer que ela pode escolher se inscrever ou não na função Φ(x), mas não é por isso que ela ali não se inscreva. Não havendo todo que valha, ou seja, como não há todas as mulheres, só há, nessa lógica, uma mulher.

Foi possível, então, afirmar que homens e mulheres posicionam-se de formas distintas frente à castração, havendo um corte que os separa: esse corte é um modo de gozo. Há o gozo fálico e há um Outro gozo mais além do gozo fálico. O gozo fálico é o gozo do órgão fálico. “O homem goza do órgão e, a um só tempo, o órgão goza sozinho”, destaca Naveau4. Gozo fálico, gozo do Um, “gozo do idiota”, uma vez que o Um é voltado somente para ele mesmo. O homem, pontua Lacan, na relação com seu gozo, é um homossexuado. (LACAN, 2003). É dessa forma que torna-se congruente dizer que para o homem o falo é um obstáculo, uma vez que o órgão o impede de gozar do corpo do Outro, do corpo de uma mulher.

E sobre este Outro gozo? Tal parece ser o mistério de uma mulher, sobre o qual ela não diz nada. A histérica, que não é nem a mulher nem uma mulher, dividida pela oposição entre o gozo e o desejo, aí tropeça: ela não sabe como proceder.

Então, é dito que uma mulher x, para quem a função Φ(x) é legível, ao ser abordada por um homem, ela está ali e não está.

Tal é o paradoxo. O gozo feminino é esse Outro gozo mais além, suplementar, que faz de uma mulher não toda de seu parceiro, que ultrapassa a ela mesma, tornando-a sozinha em relação a um gozo, uma vez que ela é a única a experimentá-lo, e ao qual nenhum homem pode segui-la, fazendo da solidão a sua real parceria.

Para concluir, é pertinente dizer, como aborda Naveau, que somente quando o homem põe em jogo o semblante fálico, dizendo não à essa função proposicional, é que este, servindo à mulher de quem quer gozar, torna seu esse gozo o qual não a faz toda dele, mas que o permite nela re-sucitar. É nesse campo do não todo que o chamado sexo tem a chance de ocorrer. E nisso ainda podemos deslizar e definir que heterossexual é aquele que ama as mulheres, qualquer que seja o seu próprio sexo (LACAN, 2003)

BIBLIOGRAFIA
LACAN, J. O aturdito. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: JZE, 2003. p. 448-497.

LACAN, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: JZE, 2008. Texto estabelecido por J.-A. Miller.

NAVEAU, P. O que do encontro se escreve: Estudo lacanianos. Belo Horizonte: EPB Editora, 2017.

1 NAVEAU, 2017, p. 131

2 NAVEAU, 2017, p. 185

3 LACAN, 2003, p. 459

4 NAVEAU, 2017, p. 141
   
   
 

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