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Serge Cottet ou a suavidade brutal
Antônio Teixeira

 
   

Quando cheguei em Paris, em 1991, me foi comunicado que meu orientador de DEA seria Sérgio Cottet. Dirigi-me a ele na saída de seu seminário na Rua de Navarin, dizendo que estava fazendo um trabalho sobre a subversão lacaniana do cogito de Descartes, ao que ele me respondeu, secamente: antes de tudo, você aprenda a falar corretamente francês, porque assim não dá; no mais, procure um tema original, porque o seu já está mais que batido. Fui embora desolado, cada degrau da longa escada do estúdio que alugara no 6º andar de um prédio sem elevador da Villa Juge, no quinzième, parecia-me uma grande parede. Insisti, contudo, em minha pesquisa, que entreguei seis meses mais tarde a ele impresso naquelas máquinas antigas que imprimem em formulário contínuo, ao que ele resmungou: M. Teixeira, impresso em acordeom, ça ne va pas! Mas ele assim mesmo o levou e uma semana depois, em seu seminário, surpreendi-me ao vê-lo abordar entusiasticamente o trabalho todo amassado que de mim recebera, visivelmente grifado, destacando sobretudo a referência ao cogito que eu havia extraído do filósofo Hintikka, pouco conhecido no meio lacaniano naquela época.

Ele, porém, continuava me tratando com a mesma frieza e distância... Soube somente depois, ao final do ano, em breve entrevista com Jacques-Alain Miller, do afeto e da consideração que ele tinha por mim, mas que não se manifestava na relação pessoal. Notei, então, pela primeira vez, que Serge Cottet encarnava o contrário da cordialidade hipócrita a que tanto nos acostumamos em nossas paragens: no lugar habitual daquele que nos trata com amabilidade na presença, e que nos maldiz na ausência, encontrava alguém que se distanciava na minha presença e se solidarizava firmemente comigo em minha ausência.

Aos poucos, o gelo foi se quebrando, e assisti aquele homem ao mesmo tempo doce e suavemente brutal me convidar para um café na saída de seu curso. Soube que tocava violino, que tinha verdadeira paixão pela música brasileira, que conhecia bem o cinema novo de Glauber Rocha e os trabalhos de Hélio Oiticica e Lígia Clark. Tive, mais tarde, a felicidade de ser seu cicerone e tradutor em Belo Horizonte. Numa ida ao museu de Inhotim, apresentei-lhe a Galeria de Adriana Varejão, dizendo-lhe, em tom de brincadeira, que se tratava de nosso Taj Mahal, em referência à construção destinada pelo seu idealizador à mulher amada. Ao que ele sorriu: “M. Teixeira, se tivesse conhecido Taj Mahal, você não diria jamais uma coisa dessa”. Soube, então, que era um viajante obstinado, fascinado tanto pela exuberância natural do pantanal mato-grossense quanto pela riqueza cultural do barroco de Minas. Mantenho comigo o projeto de um dia ir, em fidelidade a esse distante amigo, fazer uma visita ao mausoléu de Taj Mahal.



 
   
   
   
 
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